Não é de hoje que os marketeiros descobriram a web no Brasil. onceitos como Cocriação, Marketing de Engajamento e o bom uso de virais já são usados, às vezes com maestria pelos anunciantes, já fazem alguns anos. Um dos melhores exemplos recentes é o canal do YouTube Porta dos Fundos.
O fato é que o canal, e as esquetes humorísticas que eles apresentam, são polêmicas, engraçadas e possuem uma repercussão nunca antes vista no mercado digital brasileiro. Fazendo uso da anti-publicidade para falar e criticar nos vídeos o que todo brasileiro já sabe e gostaria de fazer: ridicularizar uma companhia de telefonia celular (ou seriam todas?) que possuem, além de péssimos padrões de prestação de serviços, uma política terceiro-mundistas de retenção de clientes à força e aversão à cancelamentos, a grosseria e pressa tradicional dos atendentes de uma rede de fast-food de comida italiana ou até a política restritiva de horários e cláusulas ridículas nas compras por sites de compras coletivas.
Com mais de 12 milhões de assinantes, o canal faz piada com a desgraça cotidiana dos consumidores brasileiros, e ganha dinheiro com isso.
Usando como benchmark o canal da produtora humorística norte-americana Smosh, que já usa e abusa dessas técnicas a mais de 7 anos no YouTube, a trupe carioca provou que é possível sim, na era do YouTube, ser independente, fazer piadas e botar o dedo na ferida dessas empresas. E ganhar dinheiro com isso.
Apresento então 4 lições que os humoristas dão para todo marketeiro que pretende criar valor e se relacionar cada vez melhor com o público web, reverberando e criando ferramentas e vínculos com o consumidor, que deixou de ser trouxa:
Lição 1 – Rentabilize crises ouvindo e falando a verdade. Mas seja rápido!
Em agosto de 2012 o Porta dos Fundos publicou um vídeo, chamado Fast-Food, mostrando a história de uma mulher que vai almoçar no Spoleto e é atendida por um atendente característico desta rede de franquias: grosseiro e apressado. A situação cômica mostra o inferno do consumidor quando depara com este tipo de atendimento. Em menos de 24 horas o vídeo teve mais de 490 mil views, gerando repercussão massiva na imprensa e nas mídias sociais.
O departamento de Marketing da rede comprou a piada, revertendo a crise de imagem. Pediu não só para o canal trocar o nome do vídeo para Spoleto como contratou a sequência Spoleto 2 (lançada menos de 15 dias depois do primeiro) e 3, aproveitando toda a mobilização negativa numa campanha para lançar a ouvidoria da marca.
Os vídeos geraram até hoje, somados, mais de 11 milhões de visualizações. Os diretores e roteiristas inclusive já declararam que vários anunciantes procuram a produtora para encomendar vídeos que falem mal dos concorrentes, mas isso eles se negam a fazer. Ponto pra eles e pro Spoleto.
Outra empresa menos inteligente no manejo de crises, como a Tim, que foi satirizada no vídeo "Estaremos fazendo o cancelamento", limitou-se a divulgar uma nota declarando "respeitar todas as formas de expressão", exatamente no mesmo dia em que a Anatel anunciava a suspensão da venda de novas linhas em vários estados do Brasil por má qualidade da prestação de serviço.
Assista os vídeos:
Lição 2 – Usar ferramentas antigas no YouTube é muito feio, mas até que funciona.
Apesar da ruptura de linguagem no YouTube em relação aos formatos tradicionais de mídia televisiva, inclusive pelo fato das pessoas odiarem aquele comercial que aparece na introdução dos vídeos que querem assistir no YouTube, os publicitários ainda usam dessas velhas ferramentas na rede. Não é bonito, nem tão interessante quanto assistir um vídeo de humor que remete de maneiras indiretas à marca.
Mas a produtora tem recebido e produzido cada vez mais vídeos humorísticos, que eles juram terem total liberdade para produzir, por encomenda de anunciantes. A Fiat foi a primeira à fazer isso, e seus vídeos encomendadas já tiveram mais de 10 milhões de views. Outro uso marcante de novelas globais que migrou para o canal foi o merchandising editorial (ou product placement) que os humoristas já mostraram (e fizeram piada) com a cerveja Itaipava e com o Iogurte Danette.
Ambos "misteriosamente" já foram tirados do ar, não se sabe se por questões contratuais no caso Itaipava, ou pela dúvida, em relação ao vídeo da Danette, se a esquete era encomendada ou se era uma crítica mesmo ao "merchan". Dúvida que também repercutiu e gerou mais polêmica.
Assista os vídeos:
Lição 3 – Aprenda a convergir canais.
No começo de setembro deste ano o Porta lançou um vídeo em que apresenta ao público a linha de camisetas que eles passariam a comercializar. Todas elas fazem referências diretas à vídeos que foram sucesso do canal, e linkam no final deste à lija recém inaugurada por eles, que além de camisetas vende também o livro, e em breve imagino que outros ítens.
Numa sacada genial de convergência e auto-referência, eles colocam no mercado um produto que irá fazer mais mídia ainda para eles, com os consumidores enquanto outdoors humanos remetendo aos próprios vídeos. Outro exemplo de sacada de convergência de canais é a maneira maciça que os atores da trupe tem se exposto na televisão, inclusive remetendo subjetivamente vídeos do YouTube com a propaganda na TV (caso do Guaraná Kuat), ou ainda fazendo campanhas para sites do mundo digital, como Gregório Duvivier para o Buscapé. Um cara que tem coragem de botar o dedo na ferida de marcas anti-éticas só pode ser um bom garoto propaganda.
Assista o vídeo:
Lição 4 – Aprenda a rir de si mesmo e gerencie os ecos com as ferramentas certas.
Fazendo referência a única campanha de marketing de engajamento da história brasileira que atingiu 100% da base no Facebook, as latinhas com nome da Coca Zero também foram alvo de gozação do canal. Na esquete "Na Lata", uma consumidora de nome Kéllen vai ao supermercado e procura uma latinha com o seu nome.
O atendente, de nome Uélerson, diz então que "nome-merda" a Coca não faz, e que ela quiser achar seu "nome de pobre" é para procurar na prateleira de Dolly, marca do refrigerante popular conhecido por "clonar" a Coca Cola. O Diretor de Estratégia Criativa Brasil, Gian Martinez declarou que entendeu o vídeo como uma "homenagem", e um ótimo caso de engajamento e buzz. No mesmo dia a fan page da Coca-Cola Zero no Facebook postou 3 fotos, abraçando a piada, de latinhas escritas "Quanto mais" Porta dos Fundos, Kellen e Uelerson melhor. A repercussão não podia ser melhor, gerando milhares de likes e compartilhamentos.
Assista o vídeo:
Muitas vezes as pessoas confundem, então, o que é humor e o que é marketing. Ou só querem um endosso daqueles caras engraçados enquanto "formadores de opinião. Claro que já começaram as críticas que a produtora têm gerado uma superexposição do canal e dos atores em todas as mídias.
Mas o fato é que eles mostram que ainda tem muito coisa para mostrar e ensinar para os marketeiros que querem cada vez mais sedimentar e expor marcas e produtos nesta era cada vez mais dinâmica. O paradigma hoje não é só o que mostrar ao público web, mas como abordar ele.