O setor de TI tem experimentado um crescimento significativo nos últimos anos. Prova disso é a criação de inúmeras start ups, bem como a notória expansão das empresas que atuam neste segmento.
Some-se a isso o avanço da tecnologia que permite a criação de soluções cada vez mais complexas, as quais dão origem a necessidades e demandas inexploradas até bem pouco tempo atrás. Natural, portanto, que os contratos celebrados pelas empresas do ramo tenham de estar alinhados não só com os aspectos técnicos inerentes aos produtos, como também com a legislação em vigor.
Em se tratando dos contratos de licença de uso de software, tema central deste artigo, dispôs a lei 9.609/1998. Embora o legislador tenha regulado o assunto de maneira sucinta, traçou as diretrizes principais que precisam ser observadas (artigos 7° a 10).
Como será demonstrado na sequência, o assunto em exame é de extrema relevância. Isso porque o desenvolvimento de um bom produto não é o suficiente.
Paralelamente ao desenvolvimento pela(s) fábrica(s), mostra-se necessária a adoção de algumas providências de natureza jurídica para fins de proteger as partes contratantes. Do contrário, os riscos do investimento ficam exponencialmente incrementados podendo, inclusive, comprometer a operação.
Nesse sentido, a primeira premissa que deve ser ressaltada é a indispensabilidade de se celebrar um contrato de licenciamento de software no qual estejam previstas não apenas as responsabilidades do licenciante, mas também os direitos e deveres do licenciado.
Na ausência de contrato, presume-se que a nota fiscal derivada do licenciamento servirá como documento hábil para comprovação da regularidade do uso.
Além disso, como as partes não disciplinaram as regras do negócio, estar-se-á diante de um vazio regulatório, incidindo à espécie apenas as disposições previstas em lei (e eventualmente aquelas contidas na proposta), cenário esse que não é o mais adequado, pois acarreta grave insegurança aos contratantes.
Para celebração do contrato, constitui premissa básica que o licenciante seja o efetivo proprietário do software. Havendo mais de um proprietário, recomenda-se que o contrato contemple todos eles, pois, de regra, ninguém pode ceder, a outro, direito que não lhe pertence.
Deverá o contrato ainda ser celebrado pelo efetivo proprietário do software, e não pelo canal de vendas responsável pela comercialização, mesmo que a sua implementação eventualmente fique a cargo do respectivo.
A segunda premissa concerne ao fato de que as licenças de uso comercializadas podem ser temporárias ou perpétuas. Isso, contudo, não impede que o fornecedor do software revogue o direito de uso do software, caso determinadas condições contratualmente estabelecidas sejam desrespeitadas.
Outro aspecto que precisa ser levado em consideração é a natureza do software objeto da licença, assim como a sua finalidade. A propósito, o contrato de licenciamento de um Erp não pode ser idêntico ao contrato de licenciamento de um gerenciador fiscal.
A terceira premissa que deverá ser observada consiste na necessária diferenciação entre a) licenciamento, b) prestação de serviços de manutenção/suporte. Com efeito, licenciar um software consiste na cessão de uso do respectivo.
Noutras palavras, o titular do sistema transfere o direito de uso do respectivo, em caráter de exclusividade ou não, a um terceiro (que pode ser tanto uma pessoa física quanto uma jurídica).
Já prestar serviços de manutenção e suporte concerne ao compromisso assumido pelo fabricante em corrigir eventuais erros (bugs) e, via de regra, manter o produto atualizado (atualização legal). Na prática, os contratos de manutenção possuem prazo de validade pré-estabelecido.
A quarta premissa que precisa ser levada em consideração é o disposto no art. 7° da lei 9.609/1998. Preceitua o citado artigo que o contrato de licença de uso deverá prever o prazo de validade técnica da versão comercializada.
Demais disso, aquele que comercializar o sistema (seja o seu titular, seja o detentor dos direitos de comercialização) fica obrigado, no território nacional, durante o prazo de validade técnica da versão licenciada, a assegurar aos usuários do software comercializado a prestação de serviços técnicos complementares relativos ao adequado funcionamento do programa, consideradas as suas especificações.
Como se nota, trata-se de uma regra que tem ser interpretada caso a caso, dadas as vicissitudes de cada contexto. No entanto, é incontroverso que o fabricante tem o dever de indicar, quando do licenciamento do software, o prazo de validade técnica da versão.
Ressalto, por fim, que as premissas acima referidas não são exaustivas, podendo ser agregadas muitas outras, as quais deverão ser construídas em conjunto pelos responsáveis das equipes técnica e jurídica de cada fabricante.
De qualquer sorte, não se pode esquecer que, além de desenvolver e comercializar o software, é indispensável definir-se previamente as regras as quais serão aplicadas ao contrato de licenciamento, sob pena de transformar-se vendas (leia-se ativos) em passivos ocultos e de difícil mensuração.
*Guilherme Bier Barcelos é advogado e responsável pelo setor de TI da Scarparo & Barcelos Advogados Associados.