Já faz algum tempo que o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira alerta para o risco de “doença holandesa” no Brasil. Essa “patologia” pode ser atribuída à elevada entrada de recursos estrangeiros em uma nação que detém vantagens comparativas na produção de bens primários.
Tal situação acarreta diminuição na taxa cambial, elevando os preços das manufaturas nacionais a serem comercializadas no mercado externo, reduzindo quantitativamente sua participação no comércio global, além de servir de incentivo às importações. Esse cenário remete ao fechamento de postos de trabalho no país.
A considerável entrada de moeda estrangeira na maior nação da América do Sul pode ser explicada pelo nível da taxa de juros praticada, atualmente, em termos anuais, em 9,75% e 4,16% sob o ponto de vista nominal e real, respectivamente, o que faz do Brasil o campeão mundial em juros reais.
Além disso, o percentual da carga tributária de quase 37% do PIB, a falta de infraestrutura para o escoamento da produção – a despeito da aceleração das obras do Programa de Aceleração do Crescimento, o chamado PAC2 – e a concorrência desleal com nações que desvalorizam artificialmente suas moedas em relação ao dólar norte-americano ajudam a explicar o atual quadro de desindustrialização do país.
Em épocas de incentivo ao desenvolvimentismo, como durante o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e os dois primeiros Planos Nacionais de Desenvolvimento (I e II PND, entre 1972 e 1979), o índice de utilização da indústria nacional registrou sua melhor marca, chegando a quase 90% de sua capacidade, contrastando com a marca atual, de cerca de 72% da capacidade total instalada.
Confirmando essa afirmação, verifica-se, no tocante às exportações, que no ano 2000 a composição da balança comercial era de cerca de 80% de manufaturados. Já em 2007, houve uma queda para 59%. No final de 2011, apenas 36,1% dos bens comercializados pelo Brasil com o exterior eram produtos industrializados, ficando o restante da pauta (63,9%) composta por bens primários ou semimanufaturados.
Diante desse cenário, o governo brasileiro resolveu agir. Em meados do ano passado foi lançado o Plano Brasil Maior, que entre outras coisas desonerou as folhas de pagamento dos setores de confecções, calçados e artefatos, móveis e software.
As alíquotas de INSS sobre as citadas folhas de pagamento das empresas atuantes nesses segmentos caíram de 20% para zero, tendo como contrapartida o recolhimento aos cofres públicos de alíquotas entre 1,5% e 2,5% sobre seu faturamento, dependendo do setor.
Além disso, ao realizar suas compras, o governo passou a dar preferência às manufaturas e serviços nacionais – mesmo que apresentem um preço 25% maior na comparação com os estrangeiros – e a promover condições favoráveis de financiamento à produção nos bancos públicos.
Recentemente, tais medidas foram ampliadas com o lançamento da Medida Provisória 544, que atinge o setor de defesa nacional, desonerando produtos brasileiros e permitindo a eles competirem com maior igualdade com os estrangeiros, há muito tempo isentos de uma gama de tributos.
Em recente reunião com os maiores empresários do país, a presidente Dilma Rousseff pediu aos mesmos que ampliassem os investimentos no Brasil.
Para tanto, argumentou que a atual política econômica – a despeito de manter os quatro pilares do neoliberalismo: câmbio flutuante (atualmente restrito, mesmo que informalmente, a bandas cambias, sendo a taxa mínima de R$ 1,70 e a máxima de R$ 1,90), carga tributária elevada, superávit primário e metas inflacionárias (cujo centro da meta, 4,5%, deixou de ser a principal prioridade da equipe econômica) – converge nessa direção.
Como ilustração podem ser citadas as constantes reduções da taxa Selic (queda de 2,75 pontos percentuais desde julho de 2011); a manutenção e extensão da redução do Imposto sobre o Produto Industrializado (IPI) para diversos bens, como os da linha branca, móveis e piso; a ampliação para cinco anos do prazo médio dos empréstimos estrangeiros sujeitos ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 6%, bem como a incidência da mesma alíquota sobre as aplicações financeiras estrangeiras em renda fixa e a taxação de derivativos; e a já citada ampliação das obras do PAC visando a Copa do Mundo de 2014.
Mesmo com o mérito dessas medidas, consideradas por muitos como protecionistas, sua eficácia esbarrará em alguns limites, pois é fato que o industrial brasileiro compra insumos onde for mais barato, independente de ser nacional ou estrangeiro.
Da mesma forma, as famílias, quando vão ao supermercado, compram produtos a partir do preço (levando em conta a qualidade, claro) não importando se o bem ou serviço é brasileiro, francês, argentino ou chinês. Câmbio, carga tributária, dumping, concorrência desleal tudo contribui para o risco de “doença holandesa” que vivemos.
Para que esse quadro seja de fato erradicado, torna-se imperioso que o entendimento mude, no que tange a utilização de bens de capital e tecnologia de ponta no setor secundário.
E isso só acontecerá com o investimento em capital humano, ou seja, em educação – algo que até já vem ocorrendo através de programas nacionais ou regionais como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Programa de Crédito Educativo (PROCRED), que ajudaram a melhor a situação, pois enquanto em 1999 apenas 22,1% dos estudantes de 18 a 24 anos estavam no ensino superior, em 2009 esse número saltou para 48%.
Embora o caminho esteja traçado e exemplos de outras nações que o percorreram (como a Coreia do Sul que deixou para trás sua condição de produtor de commodities agrícolas para se tornar um dos maiores criadores e exportadores de alta tecnologia e inovação do mundo) demonstram sua correção, a qualificação da mão de obra nacional – uma mudança de paradigma a muito necessária no Brasil – despende um tempo considerável, porém necessário, restando ainda muito a ser feito, principalmente no que se refere à melhoria na qualidade do ensino.
Dessa forma, a curto e médio prazo, algumas medidas protecionistas podem ser empregadas, não significando com isso que o país retornará a condição anterior à abertura de 1990, desde que não abdique da busca pela mudança de seu posicionamento na divisão internacional do trabalho.
*Stefano Silveira é economista e mestre em Economia (PPGE-UFRGS)