Em tempos de crises políticas agudas, como esta que estamos vivendo, iniciam-se infindáveis discussões e análises sobre suas possíveis causas. A necessidade de uma reforma política está no discurso de 9 de cada 10 políticos, jornalistas ou cientistas políticos que falam sobre o assunto. E na esteira da reforma política, sempre vem à tona a questão da fidelidade partidária - e de forma praticamente unânime. A infidelidade dos políticos aos seus partidos é considerada como sendo uma das principais causas da promiscuidade das relações políticas, seja no executivo ou no legislativo.

Esta unanimidade defende a criação de mecanismos que atrelem os políticos aos partidos da qual se elegeram. Perda de mandato, inelegibilidade por 3 anos e mecanismos afins são apontados como possíveis formas de desestimular o troca-troca partidária.

Temos nesta questão uma confusão clara entre causa e conseqüência. Tratar a infidelidade como causa é o mesmo que dizer que um esposo é infiel a sua esposa, pelo simples fato de poder deixá-la a qualquer momento. Ao contrário da opinião quase que unânime, defendo a liberdade plena de troca entre partidos, pois parto da premissa que a infidelidade é uma conseqüência e não uma causa. Há casos, inclusive, que a troca é plenamente justificável. Como tratar o político que se vê obrigado a mudar de partido, já que o próprio partido reviu seus programas e princípios? Como tratar o político que mudou de opinião de forma legítima e precisa se reposicionar partidariamente? Ao instituir a fidelidade partidária por meio de leis, será que não estaremos forçando relações incompatíveis apenas para preservar mandatos? Não estaremos enfraquecendo ainda mais as instituições partidárias? Imagine o caos que seria manter num mesmo teto, um casal que está louco para se divorciar!

No entanto, se tratarmos a infidelidade partidária como conseqüência, nos habilitaremos a fazer as perguntas corretas em busca das causas. Por que existe troca-troca de partidos? Por que temos políticos que já passaram por 3 ou 4 partidos em tão pouco tempo? A infidelidade é estimulada essencialmente pelas vantagens que os partidos têm na distribuição de verbas, de assessores e de cargos (poder e dinheiro). Quanto maior a sua representação, os partidos aumentam seu tempo de rádio e televisão. Passam a ganhar mais do fundo público partidário. Podem indicar mais membros nas comissões parlamentares ou nas mesas diretivas das casas legislativas. São agraciados com mais assessores. O balcão de negociações passa a estar estabelecido porque existe moeda de troca.

Não entrando no mérito dos tempos de rádio e televisão, verbas públicas e afins, ao atacar as causas de fato, estaremos dando um passo efetivo para diminuir os índices de infidelidade, de forma muito mais simples e sem criar entraves para as mudanças legítimas de partidos. Para isso basta fazer com que toda e qualquer distribuição de cargos e verbas entre partidos, seja feita a partir do coeficiente eleitoral. Isto é, ao invés de se considerar a proporção partidária de parlamentares do momento para estimar o tempo de rádio e televisão, por exemplo, basta considerarmos a proporção partidária que foi efetivamente eleita. Desta forma, se um partido aumentar o seu número de parlamentares, não receberá um centavo a mais por isso, nenhum cargo de comissão, um assessor sequer.

Camilo Bornia é empresário e engenheiro.