O decreto de nacionalização dos hidrocarbonetos, assinado recentemente pelo presidente boliviano Evo Morales, alertou o mundo para a atual situação política e econômica da América Latina. Não bastassem os constantes rompantes narcisistas do neo-ditador Hugo Chávez, agora temos também que aturar as traquinagens do seu mais novo puqpilo. Como um bom aprendiz, Morales aproveitou a já tradicional condescendência lulista aos desmandos latinos para escrever um dos mais humilhantes capítulos da história recente de nossas relações diplomáticas. E, mais uma vez, a simpatia ideológica de Lula e do Itamaraty pelos regimes retrógados e autoritários das nações mais pobres da América trouxe prejuízos ao Brasil e benefícios aos governantes de nossos países vizinhos.

Por um desses acasos do destino, a crise do gás envolvendo Brasil e Bolívia ocorre ao mesmo tempo em que a Petrobrás investe em uma milionária campanha publicitária - com evidentes interesses eleitorais, diga-se - acerca da auto-suficiência energética brasileira. Lula, inclusive, usou o Dia do Trabalhador como pretexto para campanha eleitoral em rede nacional, onde discursou sobre os benefícios que teríamos com a questionável independência energética brasileira usando sua já irritante verborragia do faz de conta. Talvez isso demonstre a irresponsabilidade com a qual um assunto desta magnitude é tratado pela equipe do Planalto em Brasília. Os sinais de que a Bolívia iria nacionalizar o seu petróleo e gás natural já eram evidentes, visto que essa era uma das principais bandeiras eleitorais de Evo Morales. Admirador confesso do aventureiro boliviano, Lula fez vistas grossas à expropriação da siderúrgica EBX pouco antes do episódio envolvendo a Petrobrás. Mais uma vez, sua devota e unidirecional amizade com Hugo Chávez e Evo Morales teve mais relevância do que os interesses de uma empresa brasileira privada, que gera empregos, paga uma massacrante carga de tributos e convive com a arrogância e a incompetência dos órgãos estatais que comandam a desafinada orquestra da burocracia brasileira.

A constrangedora aliança brasileira com a Bolívia já está trazendo resultados práticos. E resultados ruins, muito ruins. Exemplo claro disso é a disposição do governo boliviano de manter intocados os projetos envolvendo minerais, projetos estes executados pelas empresas Apex Silver e Coeur d’Alene, multinacionais norte-americanas. Morales sabe muito bem que a patética cordialidade petista ao rompimento unilateral de acordos e investimentos não encontra eco na terra do Tio Sam. Em uma fracassada tentativa de justificar sua ginoflexão aos "poderosos" líderes da Bolívia e da Venezuela, Lula fala em soberania nacional boliviana e venezuelana. Ora, soberania é uma coisa, quebra de acordos internacionais é outra completamente diferente. Se Lula realmente preocupa-se com "os pobres e famigerados cidadãos bolivianos", deveria começar a pensar desde já no futuro deles. As demais nações investidoras do mundo - à exceção do Brasil de Lula, claro - não toleram o nacionalismo estatista de Chavez, Morales e Fidel Castro e seguramente irão bloquear novos investimentos no país mais pobre da América Latina. O povo boliviano, que conviveu nos últimos anos com sucessivos golpes militares protagonizados por aberrações semelhantes ao atual líder boliviano, passará a viver de forma ainda mais miserável. Tudo porque dois ditadores irresponsáveis sonham um dia ser tão reconhecidos quanto Simon Bolívar e Che Guevara, e terem suas feições retratadas em camisetas vendidas a preço de banana e largamente utilizadas por jovens estudantes rebeldes e intelectuais de uma esquerda utópica e falida.

"Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás". Talvez a máxima atribuída a Che Guevara possa ser usada, em parte, no episódio aqui discutido. Para nosso azar, a parte que nos cabe é a segunda. A comovente ternura com a qual Lula e sua equipe diplomática negociam com os folclóricos ditadores latino-americanos beira o ridículo, para dizer o mínimo. Nunca seremos respeitados como nação enquanto nosso corpo diplomático exibir esse deprimente espetáculo ao mundo. É dever de nossos governantes proteger o patrimônio do país. Enquanto estamos sendo dilapidados na Bolívia, Lula desautoriza o presidente da Petrobrás a interromper os investimentos da multinacional brasileira em território boliviano. Ao mesmo tempo, diz que o povo não pagará a conta do possível aumento do preço do gás natural. Quem pagará será a Petrobrás. Já vimos algumas vezes esse filme, e o final geralmente é desfavorável ao espectador. Será que os milhares de acionistas que compram ações da Petrobrás em bolsa de valores concordam com o Presidente da República ? Será que eles concordam que a manutenção de investimentos em um país comandado por um "genérico" de Hugo Chávez e que não cumpre acordos será vantajosa para a empresa ? Será que uma operação que pagará um pedágio de 82% da produção ao governo boliviano será propícia aos interesses da Petrobrás ? No raciocínio de Lula, sim. Aliás, para ele a Petrobrás e o BNDES têm que fazer a sua parte para contribuir em nossa penitência pelos séculos de miséria que o povo latino-americano vêm sofrendo. Se formos analisar com calma, o objetivo de Lula não é diferente dos demais líderes populistas da América Latina. Lula quer liderar uma era de igualdade social entre os miseráveis abaixo da linha do Equador. Mas existem concorrentes fortes à esse cargo. E, pelo que vimos na reunião de cúpula no Equador, a frouxidão de Lula está fazendo com que ele perca as imaginárias eleições para o comando da América Latina.

* Cristiano Trindade é diretor executivo da Brasil Mobile S/A