O setor de software foi escolhido pelo Governo Federal como uma das áreas prioritárias da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, medidas foram anunciadas e metas ambiciosas de exportação foram fixadas. Sem dúvida alguma a iniciativa é merecedora dos nossos aplausos. Ocorre que há uma outra iniciativa extremamente simples e eficiente para alavancar o desenvolvimento do setor de software, que sequer tem sido cogitada nos últimos tempos: o uso racional do poder de compra do Estado.

Se por um lado é sabido que o Estado é responsável por uma parcela expressiva das contratações no setor de TI, de outro, a imensa maioria das empresas de software nacionais é constituída por micro e pequenos negócios, o que praticamente inviabiliza a sua participação em processos licitatórios de maior vulto.

Ainda que o Governo demonstrasse vontade efetiva de instituir uma política racional de uso do seu poder de compra, enfrentaria sérias dificuldades para implementa – lá sob o regramento jurídico atualmente existente. Isso porque a legislação, além de ser extremamente confusa e contraditória, trata, sobretudo, de bens e serviços de informática e não de software especificamente. Em outras palavras, o Governo pretende curar a doença, mas aplica o remédio no doente errado.

Exemplificando: a Lei n. 8.248/91, que foi promulgada com a intenção de promover a capacitação e competitividade do setor de informática e automação, ainda em vigor, estabelece uma regra de preferência em processos de licitação para bens e serviços que cumpram processo produtivo básico.

O processo produtivo básico é um conceito utilizado para a fruição de incentivos fiscais, na Zona Franca de Manaus, por exemplo, pelo qual o Governo pode assegurar que algumas etapas da operação fabril estão sendo efetivamente realizadas em território brasileiro. Em última análise, trata-se de um mecanismo para impedir que uma indústria qualquer simplesmente compre itens importados, os revenda no Brasil e ainda receba incentivos em razão de uma suposta fabricação local.

Assim, o Governo estabelece processos produtivos básicos para os mais diversos tipos de produtos, como, por exemplo, pulseira de couro para relógio. Para que um fabricante de pulseiras de couro para relógio da Zona Franca de Manaus possa usufruir dos incentivos fiscais, as seguintes etapas devem ser realizadas por um estabelecimento fabril lá localizado: (i) corte do couro natural, (ii) acabamento do corte,(iii) colocação do forro, (iv) colagem, (v) prensagem, (vi) costura, (vii) colocação de fivelas, quando aplicável, (viii) furação do couro e (ix) envernizamento.

Não é difícil perceber que o Governo jamais outorgou – nem outorgará – um processo produtivo básico para o desenvolvimento de software, mas o mais grave é notar que o simples fato dessa exigência constar da Lei n. n. 8.248/91 demonstra, ou total desconhecimento do assunto, ou simples descaso com o setor de software.

Muito embora mudanças legislativas se mostrem indispensáveis para a instituição de uma política pública de longo prazo, existem algumas medidas que podem ser implementadas imediatamente e que já seriam de grande ajuda para as empresas de software nacionais. Em primeiro lugar, o Governo deveria promover uma grande campanha educativa para informar aos gestores públicos da administração direta e indireta que eles não podem continuar contratando software como se estivessem comprando mesas ou cadeiras.

A proteção e comercialização de programas de computador são matérias regradas por uma lei específica – Lei n. 9.609/98 – e para todos os efeitos de proteção são equiparados às obras literárias, tratando-se, portanto, de direito de autor. Não é preciso ir muito longe para se perceber que essa simples informação muda completamente todo o conceito que os administradores públicos devem ter ao planejarem a contratação de software.

Em segundo lugar deveria proibir, terminantemente, a contratação de empresas, ou melhor, de uma única empresa, com dispensa de licitação e, ainda, a contratação de desenvolvimento de software travestido de alocação de mão-de-obra, práticas que, infelizmente, têm sido comuns.

Essas duas simples medidas já serviriam para nivelar o campo de jogo e permitir que as pequenas empresas nacionais de software possam participar de licitações, mas a verdadeira solução do problema passa, necessariamente, por uma modificação radical da legislação até então vigente. Portanto, são altamente relevantes as iniciativas que vêm sendo tomadas pela ASSESPRO neste sentido, visando a promoção de um intenso debate sobre o tema.

Deana Weikersheimer e Marco Tulio Castro são sócios do escritório Weikersheimer & Castro Advogados Associados.