Enquanto o aumento dos investimentos em tecnologia de informação e comunicação (TIC) sugere algo positivo, o déficit em transações correntes, se não necessariamente ruim, remete a uma situação que inspira cuidado. Mas, será que estas duas grandezas possuem alguma relação? Até que ponto os números apresentados por uma influenciam na outra?
Segundo a 21ª Pesquisa Anual Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP) sobre o mercado de TICs, em 2009, em plena vigência da crise econômica mundial, as corporações brasileiras de médio e grande porte despenderam cerca de 6,4% do seu faturamento líquido em TICs, ante 6% do ano anterior, gerando um crescimento de mais de 6,5% na comparação anual.
Mesmo levando em conta a política anticíclica implementada pela equipe econômica do governo federal, tal número torna-se relevante, dado que os principais setores beneficiados pela redução das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) foram a indústria automobilística e a linha branca (máquinas de lavar, fogões e geladeiras).
De acordo com o professor titular da Fundação Getúlio Vargas, Fernando Meirelles, o recrudescimento no investimento em TICs traduz-se na maturidade do processo de informatização do País. O estudo mencionado indica que em 2014 o Brasil deverá contar com 140 milhões de computadores ativos (máquinas físicas e virtuais). Ou seja, apresentará um crescimento de 82% em relação aos 77 milhões de equipamentos que deverá contar no final deste ano. Tais números passam pela renovação do parque tecnológico nacional. O maior país da América do Sul, juntamente com os demais componentes do BRIC (Rússia, Índia e China), deverá responder por cerca de 8% a 13% dos gastos mundiais em TICs em 2010, na ordem de US$ 1 trilhão (crescimento de 4% em relação a 2009).
Para a consultoria Gartner este contínuo avanço da informatização no território nacional pode ser creditado à maturação e incorporação de conceitos como cloud computing e business intelligence (BI). Meirelles afirma que na linha de software, ferramentas como o Costumer Relationship Management (CRM), as soluções em BI e os sistemas de gestão empresarial (ERP, Enterprise Resource Planning, na sigla em inglês) devem concentrar os referidos investimentos, dado que, segundo sua avaliação, cloud computing não pode ser classificado como item de gasto.
Se por um lado o incremento do investimento em TICs sugere maior dinamismo e segurança aos processos em termos macroeconômicos, por outro contribui com o crescimento do déficit em transações correntes – constituído pela balança comercial (exportações menos importações), balança de serviços e rendas (turismo, transportes, fretes, seguros, pagamento dos juros da dívida externa, repasse de royalties e licenças) e remessas líquidas ao exterior (lucros e dividendos das empresas transnacionais e repasse de imigrantes) – cuja estimativa é encerrar 2010 em US$ 49 bilhões negativos (US$ 13 bilhões positivos da balança comercial, US$ 65,5 bilhões negativos da balança de serviços e rendas, e US$ 3,5 bilhões positivos das remessas líquidas ao exterior), contra US$ 24,3 bilhões também negativos do ano anterior.
A citada contribuição das TICs pode ser creditada ao aumento das importações de componentes para a produção de computadores, celulares e assemelhados, pelo crescimento das compras de equipamentos do exterior, como i-Pod´s e i-Phones e pelo incremento das remessas de lucros e dividendos às matrizes das transnacionais proporcionado pela maior produtividade resultante da empregabilidade das TICs.
Como o Brasil foi um dos primeiros países a sair da crise, foi considerado por muitos investidores estrangeiros (não confundir com especuladores) um boa opção à remuneração de seus capitais, mesmo praticando a maior taxa de juros real do mundo, atualmente em 5,2% ano, o que encarece o crédito. Prova disso é que apesar da queda de 42,41% no investimento estrangeiro direto (IED) em 2009 em relação a 2008 (de US$ 45,06 bilhões em 2008, para US$ 25,95 bilhões em 2009) – no auge da já mencionada crise econômica mundial – a previsão é que em 2010 esta rubrica encerre com um saldo positivo de US$ 38 bilhões.
A elevação do montante de IED, além de financiar total ou parcialmente a deficitária conta corrente, sugere um incremento do gasto em TICs, dado ser impensado nos dias atuais imaginar desenvolvimento sem tecnologia – assim como no primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) era impossível desvincular desenvolvimento de industrialização – o que, por sua vez, remete ao crescimento de compras externas e repasse de recursos ao exterior, piorando a já preocupante situação da balança de transações correntes.
Conforme já citado, o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a sair da crise econômica mundial devido aos seus bons fundamentos macroeconômicos. Um deles, entretanto, parece ter feito a diferença: as reservas cambiais brasileiras, que no pior momento da crise somavam mais de US$ 200 bilhões. Estas reservas permitiram ao governo federal, senão totalmente, mas ao menos parcialmente, suprir a necessidade de crédito do mercado interno, dado que as linhas internacionais haviam fechado. Foram elas que permitiram a equipe econômica não optar pelo ajustamento – caminho mais fácil durante um momento de anormalidade, muito empregado em diversos momentos da história do País, cuja eficácia, na maioria dos casos, foi no mínimo questionável.
Logo, conclui-se pela importância da manutenção de robustas reservas cambiais, que ofereçam segurança à nação em momentos de exceção. É justamente isso que está em jogo caso o déficit em transações correntes persista, sem alguma contrapartida, como o IED. De uma forma simplista, no final do exercício corrente, o Brasil deverá ter perdido em um intervalo de doze meses, R$ 11 bilhões de suas reservas, resultado do déficit de R$ 49 bilhões de sua conta corrente, menos os US$ 38 bilhões de ingresso no País, via IED.
O aumento da utilização de TICs não é o vilão da história, pelo contrário, caso cesse pode por em risco o desenvolvimento do País. Todavia, levando-se em conta tudo que foi aqui exposto, sua empregabilidade está vinculada ao investimento, e este, por sua vez, tanto à entrada como à saída de moeda estrangeira das fronteiras da nação. Assim, teme-se que o déficit que deverá ser apurado este ano torne-se recorrente, comprometendo as reservas cambiais brasileiras. O tradeoff está dado e sua solução redundará em um amplo debate que está apenas começando.
* Stefano J. C. da Silveira é Economista, mestrando em Economia pela Ufrgs e professor do Departamento de Economia do Unilasalle.