Não se pode ser “contra” o uso da tecnologia em mercado de capitais. Mas é preciso entender as suas consequências.

Um dos principais desenvolvimentos nos anos recentes atende pelo nome de algotrading, ou high-frequency trading (negociação de alta velocidade, em inglês).

Seu uso é crescente. Para se ter uma ideia, com o algotrading é possível emitir uma ordem de compra ou venda em até 16 microssegundos, segundo a consultoria americana Algo Technologies.  

Trata-se de uma grande vantagem para quem sabe lidar com os altos e baixos da bolsa de valores. O que poucos reguladores percebem é que esse sistema inverte um princípio básico, muito explorado por investidores experientes como Warren Buffet: em vez de explorar ineficiências para obter maiores ganhos, o algotrading pode gerá-las.

No Brasil, o assunto começou a ser discutido muito recentemente, com alguns players fazendo investimentos pesados em sistemas depois que a BM&F acabou com o pregão viva-voz.

Mas o conceito é mais ou menos o seguinte: compre ações cujo preço oferece um desconto relativo aos negócios subjacentes e ao valor patrimonial da empresa aberta. Venda-as quando a valorização de mercado superar em muito o valor real da empresa.

Ora, estudos acadêmicos como os de Steven J. Huddart, Mark H. Lang e Michelle Yetman – devidamente descritos no livro Volume and Price Patterns Around a Stock’s 52-Week Highs and Lows: Theory and Evidence – provam que, quando há certas tendências de alta ou baixa, o algotrading “estica” a decisão de comprar ou vender.

Ou seja, cria-se uma artificialidade no momento em que, em vez de vender, aguarda-se um pouco mais (agravando as “bolhas” de supervalorização). E também quando, em vez de comprar, já que o preço está baixo, o investidor se retira do mercado (provocando depressões mais prolongadas). No fim das contas, as expectativas humanas ainda são melhores que os computadores.

Muitos gerenciadores de risco ainda não compreendem a extensão disso. Por exemplo: em agosto de 2007 – quando o uso de algotrading ainda era muito mais raro do que atualmente –, houve uma queda brusca dos índices mundiais.

Na época, a justificativa para isso, em retrospecto, era de que muitos gestores de carteiras estavam seguindo o mesmo tipo de premissa. À medida que todos tentaram vender, empoçou-se a liquidez, o crédito rareou e os portfólios, que pareciam bem equilibrados, mostraram correlações em graus elevados.

A lição naquele momento foi a seguinte: quando se alimentam os computadores com a mesma informação em busca de anomalias conhecidas, os resultados gerados são os mesmos. E isso, evidentemente, pode levar o mercado a sofrer quedas violentas.

Claro que é necessário criar estímulos à inovação. Mas é preciso fazê-lo de forma controlada. O mercado avança com a inovação e seria tolice tentar acabar com ela. Mas, por outro lado, é imperioso que haja uma melhor supervisão e controle sobre a onda do algotrading.

* Jairo Saddi é Professor e coordenador-geral do Curso de Direito do Insper (ex-Ibmec São Paulo) e árbitro da Câmara de Arbitragem da Anbima – Associação Brasileira dasEntidades dos Mercados Financeiros e de Capitais. Artigo originalmente publicado no site da Revista Amanhã.