Desde o início do século XX há estudos que mostram que a melhor forma de manter a ordem é não ser conivente com a desordem, sem escalas, se fechamos os olhos para as pequenas falhas, inevitavelmente estaremos alimentando a permissividade das médias e grandes.

Quero aqui viajar um pouco no tempo e espaço, traçar a mediana entre a Teoria das Janelas Quebradas, Tolerância Zero, Panóptico de Foucault e Métodos Ágeis.

VIZINHANÇA SEGURA

No início da década de 70 o estado de New Jersey iniciou um programa de bairros seguros em que o mote seria patrulhamento a pé por policiais em duplas. Pesquisas mostraram que a iniciativa gerou na população um sentimento de empatia e maior segurança com a presença frequente e a pé de duplas de policiais. 

Mas um fato intrigou o estado, os índices de criminalidade não baixaram, mesmo assim a população sentia-se mais segura e protegida. Ao analisarem o dia-a-dia, perceberam que a presença e atitude dos policiais induzia um melhor comportamento pelos moradores no tocante as vias e espaços públicos, assumindo um papel mais pró-ativo e vigilante de seus direitos.

policiais

Os bairros deste experimento passaram a ser mais ordenados, mais limpos e menos violentos no que diz respeito ao cotidiano, não nos crimes, mas no convívio. James Q. Wilson e George Kelling L. publicaram em 82 o artigo "Broken Windows: The police and neighborhood safety", sobre este estudo de New Jersey, resgatando nele uma teoria da década de 60 sobre comportamento social.

TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS

Wilson e Kelling resgataram a Teoria das janelas quebradas do psicólogo Philip Zimbardo de 1969 - Ele colocou dois carros sem placas em uma área degradada e uma área urbana privilegiada. O carro abandonado na área degradada foi vandalizado imediatamente, enquanto o da área privilegiada ficou intacto.

A virada aconteceu quando Zimbardo quebrou as janelas do carro que estava intacto, gerando em algumas horas uma sequencia de depredações. A teoria desenvolve o raciocínio de que onde não é demonstrado zelo pelas regras há uma natural degradação social, a falta de zelo gera o sentimento de que tanto faz, fazendo cada um cuidar de si. 

A presença dos policiais a pé de New Jersey e atuação frente a pequenos delitos revitalizava o senso de pertença da população sobre o cotidiano social, gerando efeito psicológico de menor tolerância para com desvios de conduta e criminalidade e gerando um senso comum de maior responsabilidade.

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A teoria não diz que qualquer um irá vandalizar algo só porque já está desleixado, sempre haverá os que possuem tendência a fazê-lo e aqueles que não o farão em nenhuma circunstância.  O fato descoberto é que o desleixo aflora o sentimento de impunidade naqueles que são capazes de vandalizar e ainda mais o sentimento de impotência entre aqueles que poderiam se posicionar contra.

TOLERÂNCIA ZERO

O princípio da janela quebrada e a do policiamento em New Jersey, menos eficazes para reduzir imediatamente os crimes de maior gravidade são a base da política da tolerância zero do prefeito Rudolph Giuliani na Nova York dos anos 90. Uma política que contou com ampla cobertura, um programa que rendeu a Giuliani grande visibilidade como administrador público.

O princípio é análogo ao da Vizinhança Segura ou da Teoria das Janelas Quebradas, ao coibir todo e qualquer pequeno delito, mesmo aqueles não passíveis de penalidades, a polícia com a ajuda da sociedade eliminava o sentimento de impunidade, desincentivava o descaso e mitigava a tendência de jovens que poderiam no futuro tornarem-se criminosos. 

A postura da polícia e da sociedade deveria ser fiel a seus valores sempre, quer por um papel de bala jogado em via pública, molecagens inconsequentes, pichações, vadiagem, ... pois uma coisa leva a outra se houver sentimento de impunidade.

PANÓPTICO DE BENTHAM / FOUCAULT

Em uma primeira leitura sobre o Panóptico de Bentham, pode parecer que não diz respeito ao nosso cotidiano, mas tem tudo a ver com a Vizinhança Segura, as Janelas Quebradas, Tolerância Zero e Métodos Ágeis. O ser humano precisa de simbolismos, nosso cérebro trabalha melhor com o que é visto para ser lembrado, inclusive o discernimento do que é certo ou errado.

O panóptico idealizado por Bentham no século XVIII em penitenciárias, retomadas por Foucault nos anos 60, estudava formas integrais de vigilância. Estudos que fundamentaram não só novos paradigmas de vigilância a presos, mas em diferentes contextos sociais como em fábricas com operários, hospitais e doentes, escolas e alunos, organizações e funcionários, cidades e população, etc.

Tanto nos experimentos com policiais a pé em New Jersey quanto na política da tolerância zero de Giuliani, o governo tinham papel simbólico. O papel do estado e do policial é um símbolo alertando que ali havia lei, mas para funcionar de fato é preciso que a população assuma seu papel frente a si mesma, defendendo em cada detalhe seus valores e objetivos, gerando assim um circulo virtuoso.

MÉTODOS ÁGEIS 

Os métodos ágeis distribuem alçada e legitimidade a todos os integrantes de suas equipes para que se manifestem e tomem posição em relação a eliminação de desperdícios, busca de qualidade e valor frequente para o negócio. Um ecossistema saudável voltado a comunicação diária e transparência, um espécie de auto-construção de um panóptico N:M, uma visão organizacional da teoria das janelas quebradas. 

Os métodos ágeis se utilizam de fundamentos muito próximos da tolerância zero, contra atitudes negativas, desperdícios, desmandos, estrelismos, falta de engajamento, evitando que sentimentos como frustração, medo, agressividade, prepotência ou inconsequência sejam ignorados e gerem um ambiente não producente e silenciosamente prejudicial, não só ao negócio, mas a maioria dos atores envolvidos.

Por isso existem os termos Kaizen e Gemba, melhorias devem ser feitas todos os dias por quem faz, auto-organizadamente, assim como um posicionamento deve ser feito no local e momento em que as coisas acontecem, não devemos deixar nada errado passar sem nos posicionar, como se não nos dissesse respeito, pois sempre temos que tentar mostrar e fazer a coisa certa.

A mediana entre todas estas teorias e práticas é o senso de pertença, que gera a vontade de fazer a coisa certa, de fazer o melhor possível.