O macaco, quando empilha caixotes para apanhar bananas suspensas fora de seu alcance, está usando um atributo, denominado inteligência, comum a várias espécies animais. Já quem se empenha em conhecer a Verdade e o Bem, usa de uma outra faculdade, especificamente humana, chamada razão. E a razão esteve no centro da revolução filosófica dos séculos XVIII e XIX.
Que decepção teriam aqueles pensadores se pudessem confrontar o otimismo humanista que suas idéias suscitaram com a quase absoluta irracionalidade a que conduziram! Nunca como nestes anos que correm a humanidade foi tão destra em empilhar caixotes para apanhar bananas, nunca a inteligência dispôs de tantos instrumentos para ser produtiva, mas jamais esteve tão distante de perceber o sentido da vida e desinteressada de orientá-la para o Bem. Erich Fromm resume assim a situação: \"Possuímos o \'saber-como\' (know-how), mas não possuímos o \'saber-por-que\' (know-why) nem o \'saber-para-que\' (know-what-for)\".
O motivo é evidente. Absolutizando razão e liberdade, essa filosofia desenrolou o tapete para o relativismo e o existencialismo: se a razão for a única fonte da verdade e se a liberdade for \"a essência do homem\", ter-se-á uma verdade para cada mente e o homem deve ser \"o que quiser fazer de si\". O resultado é a miséria da filosofia e o trágico descaminho, travestido de liberdade, percorrido por gerações despreocupadas com a Verdade e com o Bem, patrocinadoras da prosperidade de advogados e profissionais da saúde mental. Destes porque lidam com os cacos que as pessoas acabam fazendo de si (e umas das outras) por não terem compreendido o que de fato são, e daqueles porque - ausente a noção de Bem - as relações sociais se orientam apenas por interesses que se complicam quando a regra é o desregramento.
Um prato cheio, de bananas. Extraviada a idéia de Bem, a noção de \"erro\" se esvazia e a consciência pessoal se amordaça num novelo de racionalizações oportunistas e egoístas. Nada há de surpreendente, então, na derrocada da instituição familiar, na irresponsabilidade moral de pais, educadores, comunicadores, legisladores, julgadores, na decadência do papel do Estado, no estímulo à violência, no avanço das drogas e da AIDS, nem na insignificância do amor, da justiça, da solidariedade e da virtude. E ainda aparece quem erga a voz para chamar conservador, como se o adjetivo fosse ofensivo, quem defende a preservação de tais valores.
(*) Arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública, página pessoal
O macaco, quando empilha caixotes para apanhar bananas suspensas fora de seu alcance, está usando um atributo, denominado inteligência, comum a várias espécies animais. Já quem se empenha em conhecer a Verdade e o Bem, usa de uma outra faculdade, especificamente humana, chamada razão. E a razão esteve no centro da revolução filosófica dos séculos XVIII e XIX.