Cremos ser bem claro que o papel do Sebrae não é o de concorrer com as micro e pequenas empresas, que ele deveria incentivar e apoiar-lhes o crescimento e a sobrevivência. E mais, salta aos olhos, também, que o papel de uma agência financeira e de fomento do governo federal como o Banco do Brasil deveria ser gestar programas de apoio ao empresariado nacional e não distribuir bens e/ou serviços, gratuitos ou não, em franca concorrência com uma parte dos seus pequenos clientes. Muito menos podemos entender, e menos ainda aceitar, que um governo que se propõe a incentivar os micro e pequenos empreendimentos, por enquanto apenas no discurso, e o setor de software através da política industrial tecnológica, permita que organismos como o Sebrae e o Banco do Brasil passem a ser concorrentes diretos de milhares de micro e pequenas empresas de desenvolvimento e comercialização de programas de computador, usando dinheiro público. Dinheiro que é, em última análise, dos próprios prejudicados pelo \"negócio da China\" que, novamente, esses dois organismos, esquecendo tentativas anteriores, equivocadas e absolutamente frustradas, insistem em nos impingir.
Senão vejamos: a quantas anda o projeto Empresário do Sebrae, que virou Empresário I após reciclarem (?) algo que deveria ter ido sumariamente para o lixo e passarem a chamar de Empresário II? Para quem não sabe, este projeto pressupunha criar a panacéia universal para os micro e pequenos empresários do Brasil: um software que automatizasse inteiramente sua empresa a preço de banana na feira. Pois bem, insistindo: a quantas andam estes dois projetos/softwares? O que foi feito para ressarcir quem ficou com o mico na mão, sem manutenção nem qualquer tipo de apoio? Eles vão ter agora o direito de obter o \"Empresário III - a Missão\"?
Isso do lado do Sebrae, mas não é exclusividade desse parceiro nesta empreitada quixotesca. O outro, o Banco do Brasil, também tem suas experiências catastróficas na tentativa de colocar um cabresto no mercado e de estrangular os pequenos empreendimentos. Para ficar apenas em um caso e não passarmos dias e dias analisando os desvios de conduta de sua subsidiária, a Cobra, voltemos aos longínquos idos de 2003. Lá, o Banco do Brasil assinou um \"convênio\" com uma entidade de produtores de software livre, com um minúsculo número de associados, para a produção de um software para prefeituras. Software este que o BB iria doar para os municípios que se dispusessem a trabalhar exclusivamente com o banco. Pelo que nos consta, esta entidade já não existe, o software jamais foi entregue e o BB, merecidamente, pagou, literalmente, este grotesco mico.
E pagou com o nosso dinheiro. A Fenainfo - Federação Nacional das Empresas de Serviços Técnicos de Informática e Similares, representando mais de 50.000 empresas deste país, em sua quase totalidade micro e pequenas, quer saber onde foi este dinheiro, quanto foi desembolsado e o que foi feito para ressarcir os cofres públicos. Vamos ao Tribunal de Contas da União e à Justiça Federal, se necessário, para termos estas respostas. Procedimento idêntico, iremos adotar caso esta ameaça de agora se concretize. Vamos querer saber muito bem o que vai ser feito com R$ 3.400.000,00 do nosso dinheiro e, além do TCU e da JF, vamos consultar o CADE sobre a lisura e a conveniência deste \"negócio\".
Esperamos, sinceramente, que, a exemplo do SERPRO que cancelou um edital já em fase de adjudicação, o Sebrae e o Banco do Brasil repensem esta estratégia e desistam desta idéia. Aí, sim, estaremos inteiramente à disposição para discutirmos uma forma de fazer a inclusão digital dos pequenos empresários desse país sem destruir uma infinidade de pequenos negócios que floresceram atendendo a essa faixa de clientes e que não precisam de mais flagelos além dos de hoje, como o crédito caro e escasso, a alta carga tributária e os entraves burocráticos em excesso. Caberia muito mais a esses entes promoverem programas de apoio efetivo ao setor de software para que este forneça uma maior quantidade de melhores produtos a preços mais baratos para seus potenciais pequenos clientes. Com os R$ 1.800.000,00 que o Sebrae está disposto a disponibilizar daria para fazer um belíssimo programa de apoio e capacitação para os desenvolvedores de sistemas para pequenos empreendimentos e com os R$ 1.600.000,00 do Banco do Brasil, emprestados a juro zero e a longo prazo, poderíamos alavancar fortemente a indústria de software para esse segmento empresarial.
Em nossa Carta Magna pode-se aprender que o papel de protagonista do estado na economia só pode e deve ser exercido subsidiariamente e em setores e condições em que o mercado seja carente de soluções, o que não é o caso da criativa e ativa indústria de software nacional e muito menos em software de gestão empresarial.
Maurício Mugnaini é presidente da Fenainfo