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Controlar a Internet? - parte III
Por vicente.renner@gmail.com
Criado em 22/07/2008 - 00:00
Além de criminalizar a "quebra de senha" e a obtenção de dados dela conseqüente, como já foi dito, o senador Eduardo Azeredo também quer que os provedores de acesso à Internet comuniquem à autoridade competente indícios de prática de crime que cheguem ao seu conhecimento: é o provedor delator, ou "dedo duro".
O que é muito mais preocupante.
Especificamente, o que se pretende é obrigar o provedor de acesso à Internet a comunicar à autoridade competente denúncia que tenha recebido e que contenha indícios da prática de crime sujeito a acionamento penal público incondicionado, cuja perpetração haja ocorrido no âmbito da rede de computadores sob sua responsabilidade. O que não se sabe muito bem é o que isso significa.
"Crime sujeito a acionamento penal público incondicionado" é aquele que, por sua gravidade, não necessita que a vítima impulsione a sua investigação ou o ajuizamento da ação penal, que deve ser movida pelo Ministério Público obrigatoriamente - opõe-se à ação penal pública condicionada (na qual a ação criminal só é ajuizada com o consentimento expresso da vítima, como nos casos do crime de ameaça ou os que projeto de lei pretende incluir no Código Penal) e a ação penal privada (na qual apenas a própria vítima, se assim quiser, pode ajuizar a ação, como nos crimes de calúnia e difamação).
Os problemas começam no que, em primeiro lugar, poderia ser considerado como "denúncia que o provedor tenha recebido", como se dá esse recebimento e se o referido dispositivo pretende, de alguma forma, obrigar o provedor a monitor a informação que por ele passa em busca dos crimes – com conseqüências que variam entre inócuas, impraticáveis e nefastas.
Inócuas, na melhor das hipóteses, se o objetivo é compelir ao provedor a repassar as denúncias que receba à autoridade competente. Nestes termos, a disposição não teria maior sentido: o usuário pode denunciar o fato diretamente à autoridade, em primeiro lugar; não existe motivo claro para se obrigar, sob pena de multa, o provedor a repassar a informação; e exatamente como se vai proceder com a informação recebida? Em que ponto vai ser realizada a homérica triagem entre as informações efetivamente relevantes e as que são puro lixo? A incumbência, naturalmente, seria da autoridade que recebe a informação, o que desde logo parece condenar a iniciativa ao ostracismo prático.
Impraticáveis e nefastas, na pior: além da evidente afronta à privacidade, exatamente como se espera que um provedor monitore toda a informação que por ele trafega? Um sistema que permita que determinado juiz ordene, de forma fundamentada, que um provedor monitore as atividades de determinada pessoa investigada e repasse as informações (pela mesma sistemática que se utiliza, por exemplo, com os grampos telefônicos), voltado sempre para casos específicos, parece muito mais lógico, seguro e constitucional.
Mas nem tudo é sangue e lágrimas no vale do Senhor: o projeto também prevê a criminalização do envio (intencionado; os comentários que circulam no sentido de que o usuário que o faz sem intenção também poderia ser penalmente processado não merece maior crédito na medida em que seria necessária a existência de expressa disposição legal nesse sentido) de um vírus (pena de um a três anos), facilita o combate à pedofilia e a algumas fraudes virtuais.
Esperemos que, no final, as disposições condenadas ao nada não sejam precisamente estas.
Vicente F. Renner é advogado e está sempre de olho nas tramóias da Rede.
Olho:
Além de criminalizar a "quebra de senha" e a obtenção de dados dela conseqüente, como já foi dito, o senador Eduardo Azeredo também quer que os provedores de acesso à Internet comuniquem à autoridade competente indícios de prática de crime que cheguem ao seu conhecimento: é o provedor delator, ou "dedo duro".
O que é muito mais preocupante.