A atual conjuntura econômica mostra a excessiva valorização de diversas moedas, que operam em um contexto de câmbio flutuante, em relação ao dólar.
Desde a eclosão da crise econômica mundial de 2008 – após um impacto inicial onde a taxa cambial chegou a marcar R$ 2,40 por US$ 1 – a moeda brasileira se valorizou mais de 40% em relação à norte-americana nos últimos 24 meses.
A consequência disso é o comprometimento das exportações de manufaturas brasileiras, dado seus preços estarem cada vez mais caros no mercado internacional.
Mesmo com o recrudescimento em dólares dos valores de produtos primários como minério e soja, mascarando os efeitos nocivos do câmbio, existe uma projeção de um déficit de mais de US$ 60 bilhões em conta corrente este ano, ante 47,5 bilhões em 2010.
Conforme já mencionado, tal situação acirrou-se devido à crise econômica mundial de 2008. Isto pode ser creditado à maior política intervencionista do governo dos Estados Unidos desde o New Deal do presidente Franklin Delano Roosevelt (1933-1945), em 1933.
No atual socorro ao mercado interno, a taxa básica de juros da economia norte-americana recuou a índices nominais baixíssimos, situando-se entre zero e 0,25% ao ano.
Além disso, linhas de créditos e de incentivos, que somadas atingem US$ 600 bilhões, foram postas em prática.
Para sustentabilidade das citadas linhas de crédito, o governo dos Estados Unidos busca diminuir seu déficit comercial.
Como consequência, o dólar – padrão monetário mundial – vem perdendo seu valor em relação a outras moedas ao redor do globo, tornando os produtos das outras nações mais caros e menos competitivos no mercado global.
Todavia, buscando manter e/ou elevar seu montante externo de vendas, alguns países implementarem um rígido controle cambial, através da desvalorização constante de sua moeda, visando uma balança comercial positiva.
A China é um exemplo de país que pratica tal política, pois além da desvalorização artificial do yuan, mantém uma prática de baixos salários.
A deflagrada “guerra cambial” é preocupante, dado ter sido esta uma das causas da II Guerra Mundial (1939-1945).
Ou seja, a história mostra que o mundo já passou por situação semelhante, cujo resultado, além da perda de milhões de vidas humanas, foram anomalias econômicas.
Conforme o filósofo e antropólogo austro-húngaro Karl Polanyi (1886-1964), em sua obra “A Grande Transformação: as Origens de Nossa Época”, de 1944, a civilização do século XIX, que estava firmada em quatro instituições (o sistema de equilíbrio de poder, o padrão-ouro, o mercado autorregulável e o estado liberal) teve na queda do padrão-ouro – que simbolizava uma organização única na economia mundial, permitindo o comércio e as transações financeiras entre as nações.
Uma das principais causas do surgimento dos grandes conflitos do século XX, como os dois embates mundiais, de 1914 e 1939, que sepultaram o período que se tornou conhecido como “Cem Anos de Paz”, que vigorou entre 1815 e 1914.
Após o Congresso de Viena (1815) e ainda sob a repercussão da Revolução Francesa (1789), em um contexto incipiente e estimulante da Revolução Industrial, a paz foi preferida à liberdade.
Neste período, havia um contato íntimo entre finanças e diplomacia, sendo o grande segredo do sucesso da manutenção da paz a posição, a organização e as técnicas de finanças internacionais, representadas pela haute finance [1], que na visão de Polanyi não passavade um agrupamento de interesse de diferentes segmentos nacionais de capital financeiro.
Assim como nos dias atuais, o comércio necessitava de um sistema monetário internacional que não podia se desenvolver em um ambiente de anormalidade, causado por um grande conflito bélico, por exemplo.
Era necessária a paz entre as grandes potências, e que as mesmas se esforçassem para mantê-la, sendo que o sistema de equilíbrio de poder não tinha como garanti-la por si mesmo.
Isto só foi obtido através das finanças internacionais, cuja formação consistia em uma nova dependência do comércio à paz.
Esta organização da vida econômica sustentou a paz centenária.
Tal ciclo somente foi rompido no início do século XX, quando o Concerto da Europa [2] foi substituído na prática pela Tríplice Aliança, formada pela Alemanha, Áustria-Hungria e Itália, e pela Tríplice Entente, onde estavam Inglaterra, França e Rússia. Na inexistência de um terceiro grupo que se unisse a um e enfraquecesse o outro, um conflito armado tornou-se iminente, e os “Cem Anos de Paz” deixaram de existir.
Para Polanyi, o elo de ligação entre a desintegração da economia mundial na virada do século XIX para o século XX e a civilização da década de 1930 foi o padrão-ouro internacional.
Com o advento da I Guerra Mundial (1914-1918) e a posterior política de desarmamento permanente dos países derrotados, não se restabeleceu o equilíbrio de poder.
Na concepção do autor isto era necessário, porém só lograria êxito se o sistema monetário internacional fosse restaurado.
Este último de fato ocorreu, mesmo que por um breve período de tempo.
Primeiro na Rússia, depois na Alemanha, passando pela Áustria-Hungria, Inglaterra e Itália.
Durante a década de 1930, porém, várias mudanças ocorreram: o abandono do padrão-ouro pela Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos; os Planos Quinquenais na Rússia; a Revolução Nacional-Socialista na Alemanha; e o colapso da Liga das Nações [3] em favor de impérios autárquicos.
Neste contexto, qualquer vestígio do sistema internacional vigente no século XIX havia desaparecido, pois nem a Liga das Nações, nem a haute finance internacional sobreviveram ao padrão-ouro.
Para o autor, a ruptura da referida indexação representou um sinal de uma revolução ao redor do globo, representada, em muitas nações, pela substituição de estado liberal por ditaduras totalitárias.
Da citada transformação da década de 1930, duas ideologias emergiram: o fascismo e o socialismo, que, mesmo que de formas diferentes, tentaram restaurar o fator social em detrimento ao econômico.
Todavia, a conclusão resultante é que as origens do cataclisma encontram-se na tentativa utópica do liberalismo de impor um mercado autorregulável.
Isto pode ser constatado pelas crises cíclicas que o capitalismo desregulado é assolado e pela impossibilidade de via mercado, sem auxílio do governo, corrigir sua rota.
Em função da atual conjuntura econômica mundial e dos rumos que o mercado globalizado pode tomar, incorrendo em erros do passado, é que o pensamento de Karl Polanyi torna-se contemporâneo.
Sua principal contribuição é a de mostrar que nem o mercado por si só, tampouco uma nação de forma isolada, lograrão êxito, ao menos em médio e longo prazo, diante dos desafios da nova economia emergente da crise econômica mundial de 2008.
Uma solução eficaz passa por uma política conjunta, que envolva o G20, e que sepulte a “guerra cambial”, talvez com um novo acordo à Bretton Woods, com instituições internacionais reguladoras atuantes.
* Stefano J. C. da Silveira é economista e mestre em economia pela UFRGS
A atual conjuntura econômica mostra a excessiva valorização de diversas moedas, que operam em um contexto de câmbio flutuante, em relação ao dólar.
Desde a eclosão da crise econômica mundial de 2008 – após um impacto inicial onde a taxa cambial chegou a marcar R$ 2,40 por US$ 1 – a moeda brasileira se valorizou mais de 40% em relação à norte-americana nos últimos 24 meses.
Links:
[1] #_ftn1
[2] #_ftn2
[3] #_ftn3