A atual crise econômica mundial, cujo marco foi a quebra do banco Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008, promoveu mudanças no capitalismo.
Os mercados desregulados, hegemônicos desde 1979 com o advento do 2º choque mundial do petróleo, sucumbiram frente à ideia do estado interventor, promotor do bem-estar social (algo semelhante ao ocorrido no período pós-depressão de 1929).
Entretanto, isto não significou a adoção de práticas governistas alinhadas ao socialismo, onde o estado exerce o papel de protagonista da economia.
Isso porque o atual capitalismo possui quatro agentes econômicos – famílias, empresas, governo e setor externo – cada qual com seu papel no sistema financeiro. As empresas ofertam o que as famílias desejam comprar, prevalecendo o principio keynesiano da demanda efetiva.
Logo, em condições de normalidade, são elas – famílias e empresas – que ditam o ritmo da economia (o que e o quanto será produzido). Ao estado cabe o papel de indutor da atividade econômica. Por fim, as nações se especializam no que fazem melhor – no que possuem vantagens comparativas – exportando seus excedentes e comprando de outros países produtos escassos em seus territórios.
O Brasil, cuja experiência mais próxima ao liberalismo norte-americano e britânico das eras Reagan Thatcher data da primeira metade da década de 1990, incrementou a regulação em seu mercado a partir da adoção do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional (PROER), em 1995, e, sequencialmente, com a implantação das agências nacionais reguladoras. Dessa forma, a nação verde-amarela segue o atual modelo há mais de 15 anos.
No papel de regulador da economia, o governo brasileiro promoveu entre 2008 e 2009 a maior intervenção no mercado nacional desde a abertura de 1990. Pelas mãos da equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda Guido Mantega e pelo então presidente do Banco Central Henrique Meirelles uma série de medidas contra-cíclicas, com ênfase ao consumo das famílias e aos gastos governamentais, foram postas em prática. Eis:
A taxa básica de juros caiu para o menor nível histórico até então; linhas de crédito foram ampliadas; a alíquota de alguns impostos como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) foi temporariamente reduzida ou zerada para diversas mercadorias como veículos automotores e os pertencentes à linha branca; as faixas da tabela do imposto de renda foram corrigidas e incrementadas de três para cinco; programas sociais, como o Bolsa-Família, tiveram maior abrangência, tanto em termos de valores, como de beneficiários.
A estratégia revelou-se exitosa, dado o PIB brasileiro de 2009 ter apresentado uma pequena queda de 0,3% – frente a -2,4% do indicador norte-americano e de -4,1% da união europeia – e um crescimento de 7,5% em 2010. Todavia, com o indicador apresentando 2,7% no ano passado e com uma previsão de menos de 1,5% no final desse ano, a estratégia outrora bem-sucedida parece dar sinais de esgotamento. Faz-se necessário delimitar um novo caminho a ser trilhado.
Uma das possibilidades seria a troca da ênfase no consumo das famílias – sobretudo em bens de consumo duráveis – pela ampliação da infraestrutura, pois, ao contrário de quatro anos atrás, mesmo com uma propensão marginal a consumir ainda consideravelmente elevada, a demanda por eletroeletrônicos e automóveis não deve crescer a um nível que garanta um recrudescimento considerável do PIB.
Isso porque em 2008 muitos brasileiros não possuíam ou mantinham em más condições veículos automotores e equipamentos como geladeiras, fogões, máquinas de lavar, microondas e microcomputadores. Hoje, além de possuírem carros, motos e eletrodomésticos relativamente novos, as famílias encontram-se mais endividadas.
Assim, a saída para o crescimento seria a diminuição do custo-Brasil aproveitando o contexto de Copa do Mundo e Olimpíada em nosso território, garantindo uma queda nos custos do escoamento da produção aliada a uma redução na carga tributária.
O Plano Brasil Maior, recheado de medidas protecionistas, é o que autores como Krugman e Obstfeld definem como “second best”, pois o melhor seria a nação produzir o que possui especialização, negociar com outros países em um contexto de economia de mercado, barateando seus custos e oferecendo aos seus cidadãos produtos melhores a preços menores.
Extremidades como o liberalismo e o socialismo tornaram-se ideologias obsoletas nos dias de hoje. O atual capitalismo exige uma presença constante do estado como o “síndico do condomínio” e não como o planejador central.
O Brasil parece cada vez mais inserido nesse contexto. Cabe agora verificar e torcer para na amplitude desse novo paradigma a maior nação sul-americana iniciar um novo e duradouro ciclo de crescimento econômico.
Stefano Silveira é economista.