No auge da empolgação com a Copa das Copas, véspera da semifinal entre Brasil e Alemanha, em conversa de preparação para o Campeonato Nacional Enactus Brasil 2014, o assunto foi a lacuna de percepção entre o que os Brasileiros acham do Brasil e o que os brasileiros acham deles mesmos. Sobre o famoso complexo de vira-lata. Claramente na segunda-feira, 07 de julho, vivíamos um momento de euforia.
Antes do mundial, era senso comum falar mal do processo de organização da Copa, que seria tudo um grande bagunça, que nós pagaríamos o preço da desorganização e passaríamos por um grande vexame mundial. Mas foi tudo bem. Incrivelmente bem. Pequenas torcidas organizadas entoavam gritos do México, Argentina, Croácia, Brasil, Inglaterra, Uruguai entre muitas outras nas ruas subitamente alegres de São Paulo. Um carnaval fora de época. Os aeroportos não congestionaram e ainda havia vagas em hotéis nas principais cidades. Gringos morrendo de amores pela alegria e simpatia brasileira. A Copa das Copas.
E de repente, tudo mudou. Pouco mais de 30 minutos do primeiro tempo da semifinal do dia 08 de julho e o Maracanaço já tinha virado história. O Mineiraço se apresentou numa velocidade assustadora. O fim de uma época escancarado em linhas de passes na área brasileira. Um apagão de um país na arena do futebol. Ou seria um despertar?
Olhando para as redes sociais, vi as pessoas reclamando da cúpula da CBF. Falando de escândalos de corrupção. Teve piadinhas de jogador, sim. Mas não teve um culpado. Não foi a convulsão do Ronaldo, como em 2006. Tampouco a meia do Roberto Carlos em 2010. Foi, sim, um erro coletivo. Em campo, de Felipão a Fred, ninguém pode ser acusado sozinho de levar 7 gols. Não há vilão desta vez. Esta é a oportunidade de um despertar coletivo. Os jornais estrangeiros falam do fim do “jogo bonito”, como o futebol brasileiro ficou obsoleto de repente. Também há quem diga que a derrota encerrou o ciclo de crescimento econômico que tinha chamado a atenção do Brasil.
Sem dúvida nenhuma, aprendemos algo. Futebol é só futebol, uma festa, uma celebração que une as pessoas. Mas temos uma vontade, um projeto de país em construção que é maior do que a Copa do Mundo. Vivemos mais uma fase de um longo despertar, talvez mais uma etapa do movimento que começou com o Plano Real, estabilização da economia, passou pela alternância de poder, reforço da democracia, intolerância crescente contra a corrupção, punição de poderosos (mensalão), melhoras na educação, conquista de grandes eventos como esta Copa e as Olimpíadas, escalada de cidadania, protestos de junho. Ufa, a lista é maior do que esta certamente. Há razão para otimismo!
Vamos olhar para a metade do copo cheio. O cientista político americano Joseph Nye criou o conceito de soft power para definir as estratégias de relações internacionais baseadas na atração e cooperação, mais do que na coerção ou mesmo força militar (hard power). A Costa Rica talvez seja o país onde isso está mais presente, já que acabou com o exército em 1949 e é reconhecido internacionalmente hoje como o paraíso do turismo natural no mundo.
Há países que são bons nas duas coisas. Nós somos definitivamente bons de soft power. Recentemente, liderando negociações internacionais sobre biodiversidade e sustentabilidade. Mas também pela mística da seleção de futebol, a música brasileira, caipirinha, turismo, gente bonita e alegre. Já são folclóricas — de abundantes — as histórias de brasileiros que saíram de enrascadas no exterior só por mencionar o nome de Pelé. Futebol é - e sempre foi - uma de nossas marcas registradas. Por isso que dói tanto cair em casa da maneira como caímos. Mas dói muito mais saber que entre 65 países pesquisados em um estudo da OCDE, o Brasil foi o 55o colocado em leitura, 58o em matemática e 59o em ciências.
Pois o apagão em campo na frente de 2 bilhões de pessoas pelo mundo, talvez tenha sido até uma auto-sabotagem da psique coletiva. O Brasil que queremos não cabe mais em bases frágeis. O melhor que temos está sendo privado de voar mais alto pela nossa arrogância de achar que chegamos lá. Isso não existe. Não é um caminho de chegada. É um caminho de evolução constante. Passo a passo. Hoje melhor do que ontem e pior do que amanhã.
Tenho certeza que aprendemos. Pela dor. Pelas pauladas (7) que levamos em campo, que escancararam nossa arrogância, a falibilidade do improviso, do jeitinho. Este não é o Brasil que queremos. O que vai nos tirar da inércia e nos fazer acelerar no caminho da criação de um país mais próspero e com oportunidades para todos é o nosso otimismo e trabalho dura. Nossa inventividade, aliada à criatividade, ambas forjadas no grande caldeirão cultural de raças miscigenadas que é este país.
Somos a 7a maior economia do mundo e deveremos ser a 5a em alguns anos. Somos um dos maiores países democráticos do mundo e o maior exportador de café há 150 anos. Temos uma indústria criativa em ascensão. Filmes e diretores chamando a atenção. Criamos a bossa nova, música que encanta. Temos uma indústria diversificada, que fabrica desde aviões até compressores, passando por pás eólicas. Somos um dos principais celeiros do mundo quando se fala em produção de alimentos. Nossa matriz energética é uma das mais sustentáveis do mundo. Estamos criando maneiras inovadoras de manter a floresta em pé e ao mesmo tempo gerar valor para todos envolvidos.
E temos um indicador incrível, quase intangível, mas poderoso: um número considerável de estrangeiros que vem passar as férias por aqui resolve ficar. Este é o nosso soft power. Todo mundo quer ficar perto do Brasil por diferentes motivos. Este é um bom pedaço do mundo. Mas pode ficar ainda melhor. Depende, basicamente, de nós não nos acomodarmos num lugar menor do que aquele que podemos ocupar.
*Rodrigo Vieira da Cunha - Jornalista fundador da Profile. É também Embaixador-Sênior do TEDx no Brasil e sócio da agência digital LiveAD.