Independentemente de opiniões políticas e sociais sobre os modelos econômicos vigentes, os mais experientes conseguem visualizar com bastante discernimento a evolução estrutural pela qual a economia global está passando.
Um velho mundo, baseado em regras e hierarquias sólidas, cedeu espaço para um novo mundo, mais anárquico e dinâmico, pautado por infindáveis possibilidades para o empreendedorismo e o lucro. Afinal, todos os dias vemos novos modelos de negócios extremamente lucrativos sendo criados, bem como estruturas antigas se reinventando.
Em paralelo à remodelação econômica, porém, um fator ignorado por muitos é que as empresas tornaram-se um dos principais agentes na determinação do estilo e da qualidade de vida das pessoas, através não só de suas contribuições tecnológicas (produto), como também da distribuição da riqueza gerada (lucro).
A responsabilidade social das companhias ultrapassa questões como meio ambiente e sustentabilidade, bastante discutidos atualmente, e engloba também itens básicos como uma correta tributação e uma folha de pagamento coerente. Estes são alguns dos mecanismos que, seguidos corretamente, garantirão um ecossistema de retorno social e econômico equilibrado.
Em um mundo anárquico e dinâmico, porém, o desequilíbrio também será uma constante. O fluxo ideal entre Empresas, Governo e População é facilmente corrompido, e a filantropia torna-se uma ferramenta para tentarmos restaurar este equilíbrio social.
É exatamente aí que entra o que chamamos de Venture Philanthropy (Filantropia de Risco), como uma alternativa para a criação e/ou desenvolvimento, juntamente com as instituições sem fins lucrativos, de modelos de negócios sociais sustentáveis no longo prazo, e não somente no momento da doação.
Em seu conceito mais simples, o Venture Philanthropy é a aplicação dos princípios do Venture Capital (Capital de Risco) para fins filantrópicos, a fim de prover a instituições sociais não apenas recursos financeiros, mas também técnicos e gerenciais.
Na prática, para que isto aconteça, o processo de investimento social se assemelha bastante ao processo de investimento financeiro, e deve contar não só com habilidades para a gestão do orçamento adquirido como também de empreendedorismo já visando a obtenção de resultados que sustentem a manutenção do projeto.
A primeira etapa a se considerar na Venture Philanthropy é a seleção das oportunidades. Há dois pontos fundamentais para se analisar na hora de optar por uma entidade: a seriedade dela e a complementaridade entre o perfil do investidor e da entidade.
Em outras palavras, o investidor deve avaliar o quanto de valor ele poderá agregar à entidade, pois o foco do projeto será o desenvolvimento de capacidades, e não programas para despesas operacionais gerais. Esses doadores poderão ainda tomar posições em conselhos de administração das organizações que financiam.
A partir disso, é construído um plano de negócios, com objetivos bem definidos. É interessante que este plano seja baseado em um produto. Isto agrega valor e ajuda na sustentação da iniciativa, pois mostra aos investidores e clientes um resultado prático da ação.
Ou seja, a iniciativa mostra desde já que não é apenas uma captação de recursos em via única pois apresentará também para a sociedade um produto que é símbolo do trabalho desenvolvido.
Por fim, o balanço social de uma empresa é a ferramenta que nos permitirá entender a real relevância dela para a sociedade, mensurando os investimentos e os reais resultados. A valorização e o incentivo deste tipo de iniciativa são de responsabilidade de todos, desde investidores até as próprias instituições que serão investidas.
Pensando no longo prazo, o Venture Philanthropy é justamente uma forma de não apenas dar o peixe, mas de fato ensinar as organizações sem fins lucrativos a pescarem os seus próprios resultados.
*Miguel Perroti é sócio fundador da Invest Tech, gestora de fundos de Venture Capital e Private Equity para o mercado de TIC, e do Instituto Beethoven, uma entidade não governamental fundada em 2000 que atua por meio de parcerias com diversas entidades do terceiro setor.