Em 2008, auge da crise econômica mundial marcada pela quebra do banco norte-americano Lehman Brothers em 15 de setembro, o governo brasileiro buscou uma reação àquela situação. Se não era uma solução definitiva, ao menos amenizaria o problema.
Contrariando o status quo dominante, a equipe econômica da época colocou em prática medidas contracíclicas, algo que não ocorria no Brasil desde 1974, quando o então presidente Ernesto Geisel (1974-1979) lançou o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), em resposta ao Primeiro Choque Mundial do Petróleo (1974).
Há sete anos, intencionando amenizar o impacto da falta de liquidez global, e sabedor da alta propensão ao consumo que assolava milhares de lares no País, o governo enfatizou o crescimento através do consumo. Para isto, baixou juros, diminuí a carga tributária e ampliou o prazo de parcelamento das compras (como ilustração, o financiamento de veículos foi estendido para até 60 meses).
Com o aumento nas vendas, o comércio passou a encomendar mais à indústria, que ampliou o investimento. Naquele momento, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) aliado à recente descoberta da camada pré-sal, criava expectativas positivas para o Brasil tanto interna como externamente, fato confirmado pela obtenção do investment grade (grau de investimento) pelas agências de classificação de risco Standard & Poor´s e Fitch.
Todavia, as citadas expectativas positivas não se confirmaram. Para compreender os motivos é necessária uma breve reflexão.
A sustentabilidade do modelo de crescimento brasileiro pairava sobre o aumento dos preços das commodities. Com as nações centrais mergulhadas na mais profunda crise econômica desde 1929, obrigando-lhes a rever suas convicções nas políticas ortodoxas, as emergentes assumiram o papel de protagonistas no cenário econômico mundial (sobretudo a China que crescia anualmente a taxas entre 12% e 14%).
Sendo o Brasil um exportador mundial de produtos primários, nosso País foi duplamente beneficiado, seja pelo aumento dos preços dos referidos produtos em dólares, devido à maior demanda, seja pela crescente entrada de recursos estrangeiros aqui.
Tal cenário logrou à nação verde e amarela aumentar anualmente sua arrecadação de impostos, permitindo-lhe cumprir fielmente sua meta de superávit primário, reduzir a dívida pública, além de ampliar os gastos sociais, como o programa Bolsa Família.
Ou seja, o aumento do consumo das famílias incrementava o PIB, porém não se refletia em crescimento inflacionário, pois a oferta também aumentava, enquanto a diminuição da taxa de câmbio impedia uma disparada dos preços dos importados, tanto de manufaturas como de matérias-primas.
Com a posse da atual mandatária em seu primeiro mandato como principal governante da nação, em 2011, sob a luz de um PIB de 7,5% ao ano, a então equipe econômica era sabedora que a política de crescimento baseado em consumo começava a dar sinais de esgotamento. Sendo assim, buscou manter o crescimento, porém enfatizando o investimento. Todavia, dado a falta de clareza de como isto ocorreria, não houve por parte do empresariado o nível de investimento esperado. Faltou a chamada confiança nas instituições.
Percebendo o fracasso de sua política inicial, a atual gestão lançou em 2012 o Plano Brasil Maior. Tal plano sustentava-se basicamente em protecionismo e desonerações. A ideia era que a ênfase retornasse ao consumo, permitindo ao País algum crescimento.
Tendo que lidar mais uma vez com expectativas frustradas, a atual gestão, visando sua reeleição, usou e abusou da contabilidade criativa e das chamadas “pedaladas fiscais”, do aumento considerável dos benefícios voltados aos programas sociais, da queda por decreto das tarifas públicas como a da energia elétrica e do represamento dos preços administrados como combustíveis e transporte urbano.
A Petrobras, por exemplo, além de todas as questões de corrupção que a assolaram, desnudadas pela operação Lava Jato, foi irresponsavelmente utilizada como instrumento de política monetária. Dado a gigante estatal brasileira importar e exportar petróleo, o combustível que ela comprava, revendia internamente por um preço menor que despendia para adquiri-lo, gerando sucessivos prejuízos à companhia.
O resultado deste cenário foi a obtenção da reeleição da presidente com uma pequena margem sobre seu principal adversário.
Com o inicio de seu segundo mandato, o atual governo resolveu mudar. Abandonando políticas ditas desenvolvimentistas, escalou para o Ministério da Fazenda um ortodoxo de carteirinha, o economista Joaquim Levy.
O resultado não poderia ter sido pior: recessão técnica causada por dois PIB´s trimestrais consecutivos em queda; estouro das contas públicas, fazendo o País, pelo segundo ano consecutivo apresentar déficit primário; aumento do desemprego; elevação da inflação para dois dígitos; criação de enormes dificuldades para bancos e empresas estatais; e perda do grau de investimento por parte de duas das principais agências de classificação de risco.
Ao longo deste ano que está findando, devido à queda da arrecadação causada pela paralisia da atividade econômica, o governo teve enormes dificuldades em honrar compromissos como o custeio da máquina pública, investimentos e programas sociais, sendo estes últimos até então atendidos com ajuda das já citadas “pedaladas fiscais”.
Todavia, mesmo que de forma velada, reconhecendo o fracasso de suas escolhas, promoveu a substituição do ministro da Fazenda, escalando para tal posto o economista heterodoxo Nelson Barbosa, deixando em aberto a questão: Isto é uma volta ao passado? As medidas tomadas anteriormente, com êxito, poderão ter sucesso agora?
As circunstâncias atuais são diferentes daquelas de 2008. Apesar da propensão ao consumo ainda ser significativa, um apelo às compras pode não ter o mesmo efeito, pois a população encontrasse mais endividada e, se não desempregada, com um risco maior de perder o emprego.
A China continua crescendo, porém a taxas bem mais modestas comparadas há alguns anos. Além disto, com baixo crescimento do produto e commodities em queda, além de inflação, câmbio e juros em alta, a obtenção de crédito será mais custosa.
Elevar o gasto público agora, depois de dois déficits primários, pode significar a ampliação do já dramático quadro. Importante frisar que, ao contrário do que muitos analistas defendem, políticas desenvolvimentistas por si só não significam irresponsabilidade fiscal e tampouco podem ser consideradas responsáveis pelo atual cenário.
Basta lembrar que tanto na crise de 1929 como na de 2008, somente houve recuperação das nações atingidas, com a adoção de políticas heterodoxas, com os governos atuando como indutores e reguladores de suas economias. Ou seja, o problema não é o desenvolvimentismo e sim a forma como ele é aplicado.
Para que a economia brasileira comece a reagir, o ajuste fiscal em curso deve ser ampliado. Porém, não com a eliminação de conquistas trabalhistas, como o aumento do prazo para requerer o seguro-desemprego, tampouco através do aumento de tributos, como a discutida volta da CPMF.
Um ajuste necessário é aquele que está aliado à discussão e colocação em prática das reformas tributária, trabalhista e previdenciária, bem como da diminuição da estrutura do estado. Todavia, pelo que foi visto até aqui, aliada a baixa popularidade da atual presidente, que enfrenta inclusive uma ameaça de impeachment, pouco ou quase nada pode se esperar em termos de melhoria.
A expectativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) é que em 2016, das 12 maiores economias do mundo, apenas o Brasil não irá crescer. Parece que o problema brasileiro não passa pela adoção de políticas monetaristas ou desenvolvimentistas, mas sim, pela ausência de uma política econômica clara.
Rezemos para que em um futuro próximo não venhamos a disputar com a Venezuela o posto de nação com os piores indicadores econômicos da América do Sul.
* Stefano Silveira é economista e professor universitário.