NEGÓCIOS

Quando a IA manda, quem terá coragem de redesenhar a organização?

Existe uma falha central na estratégia da maioria das empresas.

06 de novembro de 2025 - 09:00
Caroline Capitani é VP de Estratégia e Inovação da ilegra.

Caroline Capitani é VP de Estratégia e Inovação da ilegra.

O Gartner IT Symposium deste ano cravou o novo jargão do mercado: a IA não é mais sobre produtividade, é sobre valor sustentável. Essa transição — da ambição do CIO em 2023, passando pelo 'stack' tecnológico de 2024, até a busca por ROI em 2025 — expõe a falha central na estratégia da maioria das empresas.

Estamos obcecados em plugar a IA na operação para 'capturar valor', mas estamos falhando em redesenhar a organização em torno dela. E é essa falha que transforma a pergunta 'o que restará para os humanos?' no maior desafio de business da próxima década.

Essa falha de business que apontei fica explícita quando analisamos os debates que dominaram o evento. O alardeado descompasso entre a prontidão da IA e a capacidade humana de captar valor não é um gap de treinamento, é um gap de estrutura. As discussões sobre governança, custos ocultos e ROI negativo são apenas os sintomas dessa doença organizacional.

Não me surpreende que 72% dos CIOs tenham perdido dinheiro com IA, ou que apenas 11% dos CFOs vejam um ROI claro. Estamos tentando encaixar uma força transformadora em caixas organizacionais obsoletas e medindo seu sucesso com os KPIs de eficiência do passado.

Essa falha estrutural alimenta diretamente a principal angústia dos líderes: 71% dos CIOs sentem que suas equipes não estão prontas para a IA. O mercado, então, corre para a solução mais óbvia: o letramento corporativo.

Claro que treinamentos são relevantes, mas isso é tratar apenas o sintoma, não a causa. A preocupação com a 'atrofia de habilidades' é real, mas ela surge porque estamos tentando plugar IA em cargos e processos do passado.

Isso nos leva de volta à questão central: o que restará para os humanos?. A resposta que domina o mercado em geral é perigosamente simplista: o trabalho estratégico e criativo.

Existe essa ideia de que basta a máquina assumir o operacional para que os humanos magicamente assumam a estratégia. Mas esse lugar estratégico não é um porto seguro.

A mesma IA que hoje executa tarefas operacionais está rapidamente se tornando uma poderosa ferramenta de análise e recomendação estratégica. A atrofia de habilidades que deveríamos temer não é apenas da operação, como também da própria estratégia.

O Gartner também trouxe projeções importantes, como a estimativa de que 75% do trabalho de TI será aumentado por IA até 2030, ou de que 500 milhões de novos empregos líquidos podem surgir até 2036.

Esses dados nos oferecem um horizonte otimista. O risco, no entanto, é interpretar esse cenário como uma simples demanda por desenvolvimento de habilidades — o que, como vimos, é tratar o sintoma, não a causa.

O verdadeiro desafio estratégico é outro: esses 500 milhões de novos cargos não se encaixarão nos organogramas que temos hoje.

O 'humano aumentado' não precisa apenas de letramento, precisa de um novo design de cargo, de métricas de performance redefinidas e de ecossistemas de decisão adaptados a essa nova colaboração entre humano e máquina.

O grande debate do Gartner neste ano foi que os CIOs precisam de estratégias para lidar com a mudança fundamental na forma como humanos e IA trabalharão juntos até 2030, enfrentando o "paradoxo da capacidade extra" e garantindo que o valor seja demonstrado.

Neste caso, então, o que restará para os humanos? A resposta não é, como o consenso sugere, apenas a 'conectividade humana' ou a 'narrativa'. O que resta para nós é o papel mais complexo e essencial: o de arquiteto do ecossistema de negócios. 

Enquanto a IA assume a execução — da operação e, como vimos, de partes da própria estratégia — o valor humano se desloca para o design desse sistema.

O que resta é definir as métricas de sucesso que ainda não existem, questionar os modelos de decisão da IA e, acima de tudo, redesenhar cargos, processos e estruturas para alavancar um 'humano aumentado' que ainda nem conseguimos definir. Portanto, a pergunta que o Gartner inspira não é 'o que vai sobrar para nós?'. A verdadeira questão estratégica é: quem terá a coragem de redesenhar a organização primeiro?

* Caroline Capitani é VP de Estratégia e Inovação da ilegra, empresa global de estratégia, inovação e tecnologia