João Eduardo Ferreira (USP), Giovanni Cerri (InovaHC) e Paulo Cunha (AWS). Foto: divulgação.
A AWS, o Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo e o Hospital das Clínicas estão desenvolvendo um modelo de linguagem pequeno (SLM, na sigla em inglês) focado em decisões judiciais na saúde.
O número de processos judiciais sobre questões de saúde está em alta, com um aumento de 25% no último ano.
Com isso, os Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário, estruturas criadas pelo Conselho Nacional de Justiça para emitir pareceres técnicos para os juízes, estão demorando até 20 dias para cumprir a tarefa, antes executada em 24 horas.
Para enfrentar essa sobrecarga, 22 pessoas estão envolvidas em um projeto para integrar IA generativa à triagem automatizada de processos judiciais da saúde (aplicada em até 80% dos casos).
A proposta é estabelecer um processo decisório estruturado, que una medicina baseada em evidências e fundamentação legal robusta.
Segundo a AWS, o SLM seguirá parâmetros pré-definidos, consultando bases de dados públicas para verificar pendências, classificar casos por urgência, aplicar checklists e analisar evidências clínicas e jurídicas.
O modelo foi treinado com dados de relatórios técnicos médicos, bem como perguntas e respostas frequentes, além de pareceres, notas técnicas e jurídicas do Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário (NATJUS).
“Esses nichos são de qualidade técnica incrível. E o primeiro passo para que os modelos sejam eficientes é que a fonte seja muito bem considerada. E o Brasil já tem isso. Os relatórios técnicos são bem fundamentados, muito bem definidos”, destaca João Eduardo Ferreira, superintendente de TI da USP.
Além disso, foram utilizadas as sentenças na área da saúde disponíveis em todos os Tribunais de Justiça. Tudo isso faz com que a melhor escolha em termos de custo-benefício fosse por um SLM, uma espécie de irmão mais modesto dos LLMs que dominam o noticiário da área de tecnologia.
“A grande diferença desse modelo pode ser resumida com a palavra especificidade. Nos LLMs, a especificidade e a profundidade do conhecimento não é tão simples de capturar. No SLM, a premissa é utilizar informações especializadas, que estão nos relatórios técnicos, médicos e jurídicos, de modo a incorporar nos modelos existentes essa especificidade e a profundidade do conhecimento”, explica Ferreira.
A ferramenta terá funcionalidades como a classificação automática dos processos conforme categorias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como fornecimento de medicamentos ou tratamentos fora do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Além disso, será feita a sumarização técnico-jurídica das petições, manifestações e decisões, com inclusão de referências da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e jurisprudência correlata.
Também haverá um agente virtual de apoio aos magistrados, capaz de responder perguntas em linguagem natural, eliminando a necessidade imediata de encaminhamento aos Núcleos Técnicos.
“O SLM será um modelo brasileiro, de código aberto, adaptado às realidades e desafios locais, para tornar as análises e julgamentos mais rápidos em benefício de toda a população, respeitando a privacidade dos detentores dos dados”, resume Paulo Cunha, diretor para o setor público na AWS Brasil.
A AWS entrou no projeto para fornecer infraestrutura para análise de dados, além de créditos para apoiar o trabalho dos especialistas em engenharia de dados da USP. Todos os dados utilizados pelo SLM serão anonimizados e a AWS não terá acesso a eles.
Além disso, a americana fornecerá infraestrutura para o modelo de IA por meio do Amazon SageMaker HyperPod, que ajuda a escalar as tarefas de desenvolvimento de modelos, como treinamento, ajuste fino ou inferência, em um cluster de centenas ou milhares de aceleradores de IA.
Atualmente, uma prova de conceito está sendo realizada no Tribunal Regional de Santa Catarina e deve ser concluída até o final deste ano. A expectativa é que a ferramenta esteja disponível no judiciário no ano que vem.
O objetivo é que, posteriormente, o SLM seja incluído como uma funcionalidade do Sistema Nacional de Pareceres e Notas Técnicas (e-NatJus), plataforma que reúne documentos de apoio aos magistrados para decisões na área da saúde.
“Esse projeto tem uma importância fundamental. A ideia de trazer IA generativa vai ajudar principalmente para que os juízes possam tomar uma decisão baseados em fatos, baseados na realidade e não em suposições”, destaca Giovanni Cerri, professor da Universidade Federal da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretor do InovaHC.
