Mais uma vez, o debate em torno da posição e da atuação pública no setor de Tecnologia da Informação voltou a ganhar força. Recentemente, após apresentar argumentos [1] e defender a participação do governo como fomentador do setor e não como concorrente das empresas de TI, fomos surpreendidos [2] com críticas vindas do próprio Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), uma empresa pública, vinculada ao Ministério da Fazenda.
Como presidente da Assespro-SP, gostaria de reforçar alguns pontos que são a base do nosso posicionamento como entidade representativa das empresas do segmento. Primeiramente, vale lembrar que o Serpro existe desde 1964, criado pela Lei 4.516. O decreto-lei 200/67 foi a medida necessária para que a administração pública pudesse se liberar de tarefas que nada tinham a ver com seu core business e passasse a terceirizar estas outras atividades, peça central desta reforma, como o Serpro e a DataPrev.
Especificamente sobre o Serpro, a legislação define que a finalidade da empresa é a execução de serviços de tratamento de informações e processamento de dados, prioritariamente e "com exclusividade", de todos os serviços necessários aos órgãos do Ministério da Fazenda, podendo aplicar capacidade técnica e operacional na execução de serviços que venham a ser convencionados com outros órgãos da administração federal, estadual e municipal.
O grande problema, no entanto, é que o Serpro tem extrapolado os limites desta lei após deliberar, no Conselho, um novo Regimento Interno. Além, como os projetos desenvolvidos envolvem recursos públicos, o não cumprimento de prazos e contratos possui uma dimensão muito mais ampla.
Um exemplo [3] é o "destrato" com o Tribunal Superior do Trabalho. Recentemente, foi publicado no Diário Oficial que o TST desfez o contrato com o Serpro por falta de cumprimento de prazos. Sabemos que, no setor de TI, a necessidade de adaptação de prazos é algo comum. Muitas vezes, os sistemas começam a ser elaborados com um escopo inicial e, posteriormente, as mudanças fazem com que os cronogramas sejam adaptados. Como prestador de soluções de TI, é natural que o Serpro também passe por adaptações como estas. No entanto, no caso do TST, a questão é muito mais abrangente.
O contrato foi assinado em 2007 e tinha como objetivo a prestação de serviços de implementação do Sistema Unificado de Administração de Processos da Justiça do Trabalho (SUAP/JT) no prazo de 30 meses. O módulo piloto do sistema precisaria entrar em funcionamento na Vara do Trabalho de Paulínia ainda em 2008. O lançamento foi adiado para 1º de maio de 2009, por razões técnicas. Alguns dias antes desta data, o Serpro desaconselhou a implantação do sistema como estava e adiou novamente a implantação. Foi solicitado um cronograma definitivo, que indicou a data de 07 de dezembro de 2009. Porém, mais uma vez, o prazo para entrega do projeto piloto não foi cumprido e o Serpro solicitou o adiamento para abril deste ano. O resultado foi o envolvimento até o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e a rescisão do contrato.
Além de todo o atraso e envolvimento dos órgãos públicos, um dos grandes problemas em toda esta questão é que, até o momento, não se sabe ao certo quanto em recursos foi investido neste módulo piloto. Além do TST ficar sem o sistema, envolvemos e investimos recursos públicos em um projeto que não foi concluído.
Vale ressaltar que não somos contrários à participação de empresas públicas no mercado. Temos exemplos nos quais empresas públicas exercem um importante papel econômico e social, como é o caso de empresas como Petrobras. Neste caso específico, há leis muito claras que definem o que a Petrobras pode ou não fazer. O fim do monopólio foi uma das grandes mudanças sofridas nessa lei. Precisamos lembrar ainda que estamos falando de uma companhia de capital aberto, devidamente auditada e transparente, que atua em setores nos quais há grandes players mundiais.
No caso específico do setor de TI e do Serpro, falamos de empresas públicas criadas para atender demandas do próprio setor público, que têm extrapolado limites definidos pela legislação e concorrem diretamente com pequenas, médias e até grandes empresas do setor privado. O setor de TI é formado basicamente por empresas de pequeno porte. De acordo com os últimos dados disponíveis, a indústria brasileira de software e serviços de TI reúne mais de 67 mil empresas. Deste total, quase 85% são de pequeno porte.
O setor de TI precisa da atuação pública. Porém, não como concorrente e sim como fomentador. Há tempos buscamos discutir e desenhar um planejamento estratégico para o setor, no qual a definição do governo como cliente é uma das grandes necessidades.
Todos buscamos um só objetivo: o desenvolvimento do setor de TI. Assim, ao invés de críticas diretas ou indiretas, o que precisamos é debater e definir estratégias, com dados concretos e transparentes sobre os reais impactos da participação pública no nosso segmento.
[Os links no artigo são do Baguete].
* Roberto Carlos Mayer é diretor da MBI, presidente da Assespro São Paulo e membro do conselho da Assespro Nacional.
Links:
[1] http://www.baguete.com.br/noticias/negocios-e-gestao/07/04/2010/assespro-estatais-sufocam-ti
[2] http://www.baguete.com.br/noticias/negocios-e-gestao/09/04/2010/mazoni-visao-da-assespro-e-atrasada
[3] http://www.baguete.com.br/noticias/software/14/04/2010/tst-rompe-contrato-com-serpro