Simone Gasperin (Foto: Divulgação)
O Cambridge Dictionary escolheu “parassocial” como a Palavra do Ano de 2025. Essa escolha revela um deslocamento profundo na forma como buscamos pertencimento, interpretamos vínculos e regulamos nossas emoções em um mundo hiperexposto. Em vez de relações ancoradas na reciprocidade, assistimos à expansão de vínculos emocionais unilaterais com influenciadores, celebridades, personagens fictícios e, mais recentemente, agentes de IA. O parasocial tornou-se uma chave de leitura para compreender como a cultura digital se entrelaça com nossa vida emocional e como a solidão contemporânea encontrou novas formas de expressão.
As relações parasociais ganharam força porque expõem uma mudança profunda na forma como buscamos conexão e lidamos com vulnerabilidades. O termo se popularizou por descrever uma dinâmica que ultrapassa fandoms e invade experiências cotidianas: vínculos intensos formados sem reciprocidade, mas carregados de significado subjetivo. Essa dinâmica revela mais sobre nossas necessidades emocionais do que sobre as figuras com quem estabelecemos essas conexões. Mostra como estamos deslocando para o digital demandas afetivas que exigiriam presença, negociação e maturidade emocional no mundo real.
Esse movimento se intensificou por uma combinação de fatores. Criadores de conteúdo expõem detalhes íntimos de suas vidas, produtores de podcasts cultivam a sensação de conversa entre amigos e influenciadores aparecem diariamente na tela com uma constância que relações reais raramente oferecem. A professora Simone Schnall, da Universidade de Cambridge, observa que a crise de confiança em instituições tradicionais tem levado muitas pessoas a buscar nesses indivíduos novas referências de verdade, comunidade e afeto. Quando o consumo de conteúdo é contínuo, a sensação de convivência se instala. E o parasocial encontra terreno fértil.
A pesquisa apresentada pela Talk no Innovation Festival acrescenta uma camada importante ao entendimento dessa tendência. 58 por cento das pessoas já usaram inteligência artificial como amigo ou conselheiro para resolver questões pessoais e emocionais. A pergunta central que surgiu no evento foi direta e urgente: se estamos consumindo relações perfeitas com IA, como isso afeta nossa capacidade de investir em relações imperfeitas com humanos?
Relações humanas exigem frustração, desacordo, reparo, renúncia e vulnerabilidade.
Exigem responsabilidade, autocrítica, manejos.
Relações parasociais, por sua vez, oferecem acolhimento imediato, validação constante e ausência de conflito. São vínculos sem confrontos, sem cansaço e sem riscos. Isso explica parte de sua popularidade, mas também evidencia seus perigos. Na Terapia de Aceitação e Compromisso, a esquiva emocional é considerada uma das raízes da inflexibilidade psicológica e do adoecimento mental. Substituir interações reais por vínculos unilaterais pode funcionar como uma estratégia de evitar emoções desconfortáveis, mas, ao longo do tempo, cria fragilidade emocional e reduz nossa tolerância ao inevitável conflito que qualquer relação humana saudável carrega.
A Talk chamou esse fenômeno de intimidade sintética, um tipo de proximidade emocional construída artificialmente e entregue por agentes que simulam cuidado, presença e empatia. O relatório também destacou riscos como atrofia cognitiva, erosão da realidade, design invisível e extrativismo da mente. Esses conceitos refletem o impacto subjetivo de um ecossistema que se organiza para manter nossa atenção e nosso afeto sem exigir ponderação, reciprocidade ou maturidade emocional.
A psicologia ajuda a compreender o que está em jogo. Pesquisas mencionadas por Cristiano Nabuco de Abreu mostram que a percepção de rejeição ativa regiões cerebrais associadas à dor física. Pessoas com autoestima mais baixa interpretam sinais neutros como rejeição e sofrem esse impacto de forma mais intensa. Se relações parasociais se tornam o porto seguro para evitar desconfortos, crescem também a dependência emocional e a dificuldade de navegar emoções complexas. O desamparo não surge da emoção, mas da incapacidade de nomeá-la, entendê-la e regulá-la. Como lembra Robert Leahy, o verdadeiro problema não é sentir ansiedade; é perder a capacidade de reconhecê-la, aceitá-la e seguir adiante apesar dela. Emoções são bússolas, não verdades absolutas.
O que acontece com uma sociedade que começa a preferir relações que não exigem reparo? O que acontece com a confiança quando a validação instantânea se torna regra? Como evoluem nossas habilidades socioemocionais quando o convívio é substituído por consumo? E o que tudo isso significa para as próximas gerações, que crescem não apenas assistindo relações parasociais, mas experimentando-as desde cedo?
A palavra do ano revela mais sobre nossa vida emocional do que sobre as celebridades ou os algoritmos que ocupam nossas telas. Mostra como seguimos desejando conexão, mas, ao mesmo tempo, encontramos atalhos que eliminam a complexidade que faz das relações humanas uma experiência de crescimento.
O desafio não é eliminar o parasocial, porque ele faz parte da cultura. O desafio é não permitir que ele substitua o encontro real, com suas imperfeições e profundidade. A saúde emocional depende menos de vínculos perfeitos e mais da capacidade de atravessar emoções difíceis, negociar diferenças e construir afeto onde existe reciprocidade. A pergunta final é: o quanto estamos dispostos a enfrentar o desconforto necessário para viver relações verdadeiras?
*Por Simone Gasperin, Sócia & Head de Marketing e Growth da BPool, plataforma que conecta grandes empresas ao ecossistema de comunicação por meio de curadoria, contratação e gestão de serviços de marketing.