Fim de uma era na Tramontina

Marcos Sganderlla, diretor de TI da Tramontina, está se aposentando no final do mês.

A notícia representa, sem exagero, o fim de uma era na TI da empresa, um dos maiores grupos industriais do Brasil.

Sganderlla fez um tipo de carreira que parece ser impossível hoje em dia. Ele começou na Tramontina aos 12 anos de idade, trabalhando para o mesmo empregador por 50 anos.

Quando Sganderlla entrou na Tramontina, nos anos 70, a empresa sediada em Carlos Barbosa era mais uma metalúrgica da Serra Gaúcha, produzindo talheres e ferramentas.

Ao longo das últimas décadas, a empresa se tornou uma referência nacional de qualidade, com um portfólio de produtos que vai dos tradicionais talheres até pequenos veículos elétricos, passando por gadgets de cozinha com tecnologia de IoT embarcada.

O faturamento fica na casa dos R$ 10 bilhões e cerca de 25% vem de exportações. Do ano passado para cá, a Tramontina também está investindo numa presença direta no varejo. 

Um aspecto interessante é que tudo isso foi feito quase totalmente com tecnologia desenvolvida em casa, por um time enxuto de profissionais liderado por  Sganderlla.

Ao longo dos anos, em publicações aqui e ali, Sganderlla explicou o modo da Tramontina de fazer as coisas na área de TI. 

Assim, em um estudo de caso da ESPM de 2006 mostra como a Tramontina, na época com um time de 14 profissionais, mantinha um sistema de gestão criado nos anos 90, junto com outros 45 sistemas.

“A vantagem é que criamos sistemas mais enxutos, que fazem exatamente aquilo que queremos”, disse na época Sganderlla.

O desenvolvimento interno tornou a Tramontina um cliente de destaque da Four Js, uma empresa americana de soluções para desenvolvimento de código. 

Em um vídeo gravado para a empresa em 2020, Sganderlla revela que o time de TI interno já era de 30 pessoas (ainda muito enxuto frente à demanda) e dá mais algumas pistas sobre a complexidade interna da empresa. 

O caso da ESPM e o vídeo da Four Js, junto com alguma participação ocasional em painéis da Sucesu-RS é quase tudo que Sganderlla disse publicamente sobre a Tramontina ao longo da sua carreira. 

O profissional sempre foi discreto, não tendo nem um perfil no LinkedIn, o que seria considerado um pecado capital pela maior parte dos seus colegas mais jovens hoje.

Um raro momento de badalação aconteceu em 2018, quando Sganderlla foi (muito merecidamente) escolhido o CIO do ano pelo Prêmio Sucesu-RS, uma tradicional premiação da entidade gaúcha com votação aberta na Internet. 

De uns tempos para cá, a Tramontina parece estar se aproximando mais do que hoje é a ortodoxia quando se trata de ambientes de TI corporativos.

Assim, em 2022, a SAP divulgou que a Tramontina estava implementando um pacote de soluções de gestão empresarial da multinacional alemã, encabeçadas pelo sistema de gestão S/4 Hana.

Além do ERP, o projeto inclui ainda soluções de análise de dados e gestão de armazéns, visando simplificar seus processos logísticos e de gestão da cadeia de suprimentos. Foi sem dúvida um dos grandes contratos da multinacional alemã naquele ano.

O projeto está sendo tocado pela ITS, uma consultoria gaúcha com experiência em implementações de grande porte em grandes grupos industriais gaúchos.

Não se ouviu falar mais do projeto desde o anúncio da SAP, mas não seria nada fora do comum que ele seguisse em andamento, pela complexidade do negócio da Tramontina e a dificuldade de migrar sistemas chave para a operação desenvolvidos em casa. 

Em linha com o seu perfil discreto, a reportagem do Baguete soube da aposentadoria de Sganderlla por meio de fontes de mercado. 

A saída do diretor de TI foi confirmada pela Tramontina por meio da sua assessoria de imprensa. 

Respondendo a questionamentos da reportagem, a Tramontina também confirmou que o cargo de diretor de TI será assumido por “determinado período” pelo consultor Henrique Brodbeck.

Brodbeck é outro profissional muito experiente. Ele foi professor da Ciência da Computação da UFRGS por 35 anos, até 2013, e mantém conexão com a universidade federal gaúcha até hoje como pesquisador convidado. 

Ainda mais importante do que isso, a consultoria de tecnologia de Brodbeck atende a Tramontina há muitos anos. Segundo o Baguete pode averiguar, Brodbeck tem a confiança da família Tramontina, que segue à frente da empresa.