JUSTIÇA

TJ-RS acelera processos com IA generativa

Neste ano, o Tribunal colocou no ar três ferramentas para diminuir um passivo de 4,5 milhões de ações.

17 de novembro de 2025 - 10:13
Foto: Deposit Photos.

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O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS) está apostando em IA generativa para acelerar seus processos: neste ano, o órgão já colocou no ar três ferramentas com diferentes funcionalidades e modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês).

Com esses projetos, o objetivo é reduzir um passivo de 4,5 milhões de processos que hoje não conseguem ser julgados a tempo. Isso faz com que, muitas vezes, as pessoas esperem entre quatro e seis anos por uma decisão.

Gabriel Belinazo, assessor de governança da Direção de Tecnologia de Informação e Comunicação (DITIC) do TJ-RS, conta que o projeto batizado de Conexão Gaia olha para a fase que mais demora, que é o processo de decisão.

“Eu não consigo acelerar um processo de contraditório, de colher provas, porque isso depende de outros agentes. Mas o processo de decisão, quando ele está pronto para o magistrado ler, estudar, olhar a jurisprudência, olhar a legislação, olhar a doutrina, eu consigo acelerar. Lembrando que essas decisões são aceleradas, elas não são feitas por IA”, ressalta Belinazo.

Essas três soluções foram desenvolvidas no Amazon Bedrock, um serviço gerenciado da Amazon Web Services (AWS) que oferece acesso a LLMs e outros modelos de base por meio de uma única API.

O Tribunal usa modelos como Claude, GPT-4o, Gemini e Nova AI, avaliando cada um deles com o objetivo de desenvolver as ferramentas de forma agnóstica.

“O Claude é a melhor para a redação jurídica, mas ele tem um limite de contexto. Então, se o processo é muito grande, eu tenho que achar o segundo melhor. Aí tem coisas nas quais o GPT é melhor, em outras o Nova é melhor. Claro que não é simplesmente trocar o modelo, tu vai ter que adaptar o prompt, adaptar o sistema, mas a ideia é que a gente possa fazer isso com uma certa facilidade”, explica Belinazo.

Hoje, o tribunal tem acesso a oito provedores de nuvem por meio de um contrato multicloud com o SERPRO. Como a AWS é a nuvem jurídica do órgão, tudo aquilo que é jurídico entra nela.

“Tem uma série de vantagens: pagamos menos, não temos trânsito de informação de nuvem a nuvem, o processamento é mais rápido, mais performático. Então o jurídico é com a AWS e os outros acabam indo para outros players”, explica Belinazo.

ASSISTENTE VIRTUAL

A primeira solução desenvolvida no ambiente da AWS (com o apoio da empresa iBrowse) foi o Gaia Assistente, um chatbot que desde junho apoia magistrados e servidores na análise, organização e interpretação de informações.

Dentro do e-Proc, sistema utilizado pelo TJ-RS para a tramitação digital, o magistrado abre um processo e clica no botão assistente. A partir disso, ele pode fazer perguntas, solicitar resumos e gerar relatórios, também tendo à disposição prompts pré-definidos.

Para responder aos comandos, a IA generativa se alimenta processo a processo, sem consultar fontes externas e tendo acesso a documentos que exigem um nível maior de sigilo.

Antes da ferramenta, um desembargador levava uma média de cinco horas para decidir sobre o mérito de um processo simples. Agora, esse tempo foi reduzido para cerca de uma hora e meia.

AJUDA PARA ELABORAR MINUTAS

A segunda solução desenvolvida dentro da AWS, desta vez com auxílio da startup jAI, foi o Gaia Minuta, que apoia os magistrados na elaboração de minutas de decisões, os rascunhos dos documentos oficiais.

Integrada por meio de um plug-in ao e-Proc, a ferramenta analisa os autos processuais e os modelos de escrita utilizados pelo magistrado. A partir disso, com apenas um comando, sugere uma minuta inicial com base exclusivamente nos elementos selecionados.

“Ele pode não gostar daquela minuta e ajustar, melhorar o prompt para fazer uma nova minuta, ou simplesmente dizer que não é isso que quer e escrever do zero. Mas é ele que precisa, inclusive, dizer como é para ser essa minuta. A decisão do mérito é do humano, não é da IA”, ressalta Belinazo.

Antes, a redação da primeira versão de uma minuta levava em torno de quatro horas. Agora, ela está levando um minuto e meio.

“Vou precisar lapidar, arrumar alguma coisa, mas tem um aumento expressivo de produtividade. No primeiro mês, tivemos registro de mais de 300 mil minutas geradas em um mês. É claro que ali tem usuário testando a qualidade do seu prompt, entendendo a ferramenta, mas um grande número dessas minutas foram aproveitadas”, afirma Belinazo.

ANÁLISE DE AUDIÊNCIAS

Em terceiro, vem o Gaia Audiências Inteligentes, feito na nuvem da AWS em parceria com a Logicalis e a startup Onni. Ainda em fase piloto, a solução transcreve e faz o resumo de audiências judiciais presenciais, remotas e híbridas.

Ao final de cada depoimento, o conteúdo é enviado à IA, que realiza um resumo automático com destaque dos pontos mais relevantes. Em seguida, esse material é submetido à revisão do depoente e das partes envolvidas.

“É para aqueles processos que têm foco no fato e possuem muitos depoimentos, para apoiar o magistrado identificando a minutagem em que as testemunhas falam cada coisa, quais são os pontos em que todos corroboram e quais são os pontos de contradição”, explica Belinazo.

SOLUÇÕES DESENVOLVIDAS COM A MICROSOFT

O TJ-RS também lançou neste ano outras ferramentas de IA generativa que não estão diretamente ligadas à área jurídica. A Gaia Petição Inicial, por exemplo, foi desenvolvida com a tecnologia da Microsoft com a Spassu e implementada pela iBrowse.

Direcionada à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a operadores do Direito, como advogados, promotores e defensores públicos, a solução auxilia na elaboração da petição inicial, o documento que dá início a um processo judicial.

Com a IA da Microsoft, o TJ-RS também desenvolveu o Gaia Salus, contando com as empresas Spassu e Cast. 

Essa solução atua no âmbito do Programa de Saúde Complementar do Tribunal, dentro do sistema Salus. Seu objetivo é auxiliar na validação automática de documentos, notas fiscais e receitas para a comprovação de gastos com medicamentos.

Da Microsoft, o TJ-RS também utiliza o Copilot integrado às ferramentas do Microsoft 365, como Word, Excel, PowerPoint, Teams e Outlook. O público-alvo são os servidores das áreas administrativas e judiciais que utilizam o pacote em suas rotinas.

No Sistema Eletrônico de Informações (SEI), o órgão adotou o módulo de IA integrada desenvolvido pela Anatel, com implantação feita pela Cast dentro da Microsoft Azure. A solução batizada de Gaia SEI facilita a tramitação de expedientes e aumenta a celeridade nas rotinas administrativas.

DESCOMPLICANDO O JURIDIQUÊS

A última ferramenta lançada neste ano é voltada para o público externo e utiliza a IA generativa da Google em parceria com a Xertica.ai. Batizado de Gaia Explica aí, Tchê!, o assistente traduz sentenças, decisões e despachos para uma linguagem simples, facilitando a compreensão por qualquer pessoa.

“Ele pega aquele texto que às vezes tem 20 páginas e gera um parágrafo ou dois, descrevendo aquilo. Depois, faz um um resumo em tópicos dizendo quem ganhou, quem perdeu, quem paga e quanto paga. Ele é super barato. É um processo que custa 25 centavos por decisão explicada”, conta Belinazo.

O Explica aí, Tchê! está disponível aos cidadãos através do navegador ou do aplicativo do TJ-RS.

PRÓXIMOS PASSOS

Todas essas novas ferramentas foram lançadas em junho e, até o fim do ano, a meta é chegar a 12 soluções. Uma delas deve ser usada para fazer automaticamente as ementas, que são resumos dos votos das sessões.

“Nós temos um roadmap bem grande. A gente olha para o processo como um todo e faz as testagens de fases para entender o que vale a pena investir ou não. Ideias, formas de inovar e formas de melhorar os processos não faltam”, afirma Belinazo.