FUTURO

Falta de conhecimento sobre tecnologia trava indústria

É preciso superar o gap entre o conhecimento técnico e operacional. 

17 de setembro de 2025 - 11:15
Ariston Carvalho (Foto: Divulgação)

Ariston Carvalho (Foto: Divulgação)

A adoção de Inteligência Artificial e tantas outras soluções digitais segue em constante crescimento, seja no uso cotidiano das pessoas ou como ferramenta de trabalho. No entanto, essa alta está muito ligada aos esforços burocráticos e demandas mais fáceis - para a tecnologia - de serem respondidas. A verdadeira capacidade das soluções, que é resolver problemas complexos e gerar economia de custos e tempo, ainda é pouco testada no Brasil, afinal a indústria não se beneficia das inovações como poderia. 

Se analisarmos apenas a IA, as discussões são pautadas principalmente por dois públicos: quem desenvolve a ferramenta e pessoas que utilizam LLMs para atividades corriqueiras e administrativas. Para ambos, a Inteligência Artificial já faz parte da rotina. Mas ainda há uma dificuldade em evoluir a discussão além do AI2C e alcançar a AI2B, ou seja, ir além da “IA de prateleira” e aprofundar em resolver problemas da indústria. Há um ano, a pesquisa Rockwell Automation mostrou que 95% das indústrias brasileiras planejam investir em automação em seus processos produtivos até o final de 2025. O número parece animador por ser altíssimo, mas, na verdade, mostra como a adoção de soluções digitais ainda é baixa, já que quase todos os respondentes ainda pretendem investir. 

Há um potencial de crescimento que não está sendo alcançado. O desafio da indústria brasileira está na produção, em ser mais eficiente e aumentar os resultados na fabricação dos produtos. As soluções digitais, seja IA, Machine Learning ou qualquer outra automação customizada para cada planta, podem reduzir o tempo e o custo do processo, gerando um retorno de milhões de reais. Em 2024, a indústria foi responsável por 24,7% do PIB do país, de acordo com o IBGE, então uma melhoria que gerasse 10% de eficiência e reduzisse o downtime traria um excelente retorno financeiro. Segundo levantamento de 2024 da McKinsey, companhias que implementaram sistemas de IA nos seus processos industriais relataram alta de 10% a 15% na produção mensal. Ainda de acordo com a pesquisa, a ferramenta digital tem potencial para gerar US$ 1 trilhão adicionais para a indústria global, até 2030. 

Embora o cenário pareça simples, não é a realidade atual. Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) e empresas de tecnologia são capazes de olhar para os problemas de cada planta e desenvolverem soluções personalizadas para resolvê-los, ampliando a inteligência e eficiência no processo produtivo. Mas a indústria ainda não sabe disso. Há um desconhecimento sobre as possibilidades de automação/otimização, o excesso de informações sobre a IA de prateleira parece ter ofuscado outras vertentes e os gestores das fábricas não entendem como a ferramenta se encaixa na esteira produtiva.

Qualificação de profissionais é a chave para evolução

Hoje, para existirem soluções customizadas e eficientes, o especialista na planta produtiva precisa encontrar quem desenvolve a automação/otimização e explicar cada detalhe do processo, além de mostrar em qual etapa gostaria de ver melhorias. Ao compreender, o profissional de tecnologia coleta dados - que precisam ser mensurados para que o projeto seja bem-sucedido - e chega à conclusão de qual modelo digital é o mais indicado. O trabalho é desenvolvido em conjunto, afinal o especialista na linha de fabricação não tem o conhecimento avançado sobre tecnologia e o profissional de TI também tem dificuldades em compreender a importância de cada etapa produtiva. Empresas que conseguiram superar essa barreira, colhem o sucesso. Um dos casos é a Volkswagen, que utiliza uma IA desenvolvida para reduzir falhas em soldas e prever problemas em motores antes mesmo da montagem. O resultado esperado é uma redução de recall nos próximos anos. No ramo alimentício, a Nestlé também entendeu a importância do tema e trabalha com ferramentas digitais que padronizam a qualidade dos ingredientes que serão utilizados.

No Brasil, no entanto, ainda há uma lacuna maior entre equipes de tecnologia e de produção. Falta um elo para catalisar o avanço da tecnologia para a indústria. Se as empresas investissem em especialização e qualificação de mão de obra da fábrica, evoluindo a maturidade e conhecimento em TI, o casamento responsável pela solução personalizada seria muito mais rápido. A curva de aprendizado seria menor, afinal o profissional teria clareza de comunicação com ambos os lados, e o retorno também seria em menor tempo. No entanto, ainda é raridade ver essa estratégia, os gestores querem apenas os resultados e, muitas vezes, não investem para qualificar e criar um talento dentro da própria equipe. 

A ampliação de soluções digitais na indústria brasileira não depende de investimentos apenas em novas tecnologias, mas também em um esforço integrado para superar o gap entre o conhecimento técnico e operacional. A adoção de soluções de IA e automação precisam ser acompanhadas de uma estrutura robusta de dados e monitoramentos. Ter profissionais qualificados é a chave para conseguir explorar todo o potencial da tecnologia e transformar desafios em mais competitividade.

Os ICTs também podem quebrar a barreira do desconhecimento ampliando a discussão de cases e ciclos de problemas resolvidos, deixando a linguagem técnica um pouco de lado e melhorando a comunicação com gestores das mais variadas áreas. É necessário que os dois lados se unam para superar os desafios que nossa indústria ainda encontra. 

A experiência mostra que a união entre especialistas da produção e profissionais de tecnologia é o caminho para uma modernização efetiva e sustentável. Instituições de inovação têm papel crucial nessa jornada, facilitando a troca de conhecimento e a implementação de projetos coerentes com a necessidade a ser resolvida, pois nem sempre será a IA a melhor opção. Ao investir na formação de equipes multidisciplinares e criar canais de comunicação eficientes, o setor industrial não só reduzirá custos e aumentará a eficiência, mas também se posicionará de forma estratégica na era da transformação digital.

* Por Ariston Carvalho, gerente sênior de pesquisa e desenvolvimento do SiDi.