INTELIGÊNCIAS

IA no marketing: realidade está longe do hype

Cenário que se traduz em uma leitura simples: adotamos rápido, escalamos devagar e medimos pouco. 

04 de setembro de 2025 - 18:03
Adilson Batista (Foto: Divulgação)

Adilson Batista (Foto: Divulgação)

O entusiasmo em torno da inteligência artificial generativa é inegável, especialmente no marketing. Porém, a distância entre imaginação e impacto real ainda é grande. O hype tem seu papel: mobiliza orçamentos, inspira novas possibilidades e coloca a pauta no centro da estratégia. Mas, como em toda inovação, o verdadeiro valor aparece apenas quando ela deixa de ser manchete para se tornar operação. Dados recentes mostram esse contraste de forma clara. A adoção da GenAI já é ampla, mas o reflexo no resultado global ainda é raro. A McKinsey aponta que apenas 21% das empresas que utilizam a tecnologia chegaram a redesenhar ao menos alguns fluxos de trabalho; não por acaso, mais de 80% relatam não perceber impacto tangível no EBIT da companhia inteira.

No marketing, o otimismo segue elevado. Cerca de 80% dos CMOs estão confiantes e 71% planejam investir algo em torno de US$ 10 milhões por ano em GenAI nos próximos três anos. Ainda assim, com orçamentos pressionados e limitados, em média, a 7,7% da receita em 2025, a cobrança por retorno sobre investimento será cada vez mais dura. É um cenário que se traduz em uma leitura simples: adotamos rápido, escalamos devagar e medimos pouco. A própria McKinsey destaca que rastrear KPIs de GenAI está entre as práticas mais correlacionadas com impacto, mas menos de uma em cada cinco empresas adota a medida. Como costumo dizer, agentes dão manchete, mas são as esteiras que dão margem.

Essa imaturidade se revela em sinais recorrentes. Empresas com uma infinidade de pilotos sem rota para produção, times que não mensuram ROI com consistência e colaboradores que trazem suas próprias ferramentas de IA de fora do ambiente corporativo mostram que ainda há mais discurso do que processo. Apenas 1% dos executivos se descrevem como maduros na implantação de GenAI. A reengenharia de workflows é escassa, e o uso da IA muitas vezes fica restrito à produção de conteúdo barato e em volume, sem integração com CRM, CDP ou DAM, o que gera aceleração, mas não movimenta indicadores de negócio. Soma-se a isso uma expectativa financeira, muitas vezes, desconectada. Ainda há quem acredite que apenas cortar custos de agência ou trabalho com IA será suficiente. No fundo, a regra é simples: a IA não salva uma empresa desorganizada; ela apenas escala o que você já é.

O que falta, então, para que o marketing — uma das áreas mais abertas à inovação — consiga escalar a GenAI de forma estratégica? A resposta passa por disciplina. O primeiro passo é estruturar um verdadeiro supply chain de conteúdo, que trate criação, aprovação e distribuição como uma fábrica integrada, com guardrails claros, DAM, templates e qualidade assegurada. O segundo é garantir dados limpos e consentidos em um CDP, porque sem taxonomias sólidas e base de dados própria, a personalização prometida pela IA não passa de retórica. Terceiro passo é trazer práticas de LLMOps para o stack de martech: prompts padronizados, integração com fontes oficiais, observabilidade, rastreabilidade e avaliação humana e automática. O quarto é mensurar ponta a ponta, conectando impressões, cliques, custos e resultados em receita, margem e retenção. Em quinto vem investir em talento, criando papéis novos — de AI product owners a curadores de conhecimento — e promovendo upskilling contínuo. Por fim, o sexto ponto é abandonar métricas de vaidade e focar em incredibilidade comprovada, com testes A/B, modelos econométricos de Marketing Mix Modeling e provas isoladas por canal. Só assim o marketing sairá do discurso e provará contribuição real ao negócio.

Mas como diferenciar modismo de aplicação que realmente gera valor? Eu costumo usar quatro perguntas simples. A primeira é sobre materialidade: qual KPI de negócio será impactado e em que ordem de grandeza? Ganhos vagos, sem número nem prazo, dificilmente escalam. A segunda envolve frequência: o problema se repete o suficiente para justificar automação e investimento? A próxima é sobre vantagem de dados: temos insumos próprios e contexto que tornam a solução exclusiva, ou estamos apenas usando dados públicos que qualquer um acessa? A quarta pergunta trata a última milha: a solução se integra de fato aos fluxos existentes e gera feedback, ou é apenas uma demo bonita que não conversa com o CRM ou o ERP? Se as respostas a essas perguntas não forem claras, o projeto não passa de hype.

Nesse cenário, o papel do CIO é essencial. Ele não é o responsável por escolher o melhor modelo, mas sim por desenhar o caminho dourado: governança, plataforma, integração e disciplina que viabilizem impacto em escala. Isso passa por políticas de Responsible AI, arquitetura modular para evitar o “zoológico de ferramentas”, padrões de avaliação conectados a KPIs reais e integração na última milha. Sem isso, a IA permanece como prova de conceito. O realismo estratégico precisa prevalecer sobre o otimismo retórico. O desafio não é mais provar que a GenAI pode transformar o marketing e os negócios; é construir as condições para que ela deixe de ser promessa e se torne, de fato, resultresula.

*Por Adilson Batista, especialista em IA Generativa e CIO da Cadastra.