GESTÃO

O silêncio que grita

A pobreza relacional é a raiz do esgotamento no trabalho.

12 de novembro de 2025 - 11:53
Marcela Rodriguez, Chief People Experience Officer da Nearsure (Foto: Divulgação)

Marcela Rodriguez, Chief People Experience Officer da Nearsure (Foto: Divulgação)

Um mal-estar silencioso permeia os corredores modernos do mundo do trabalho, manifestando-se por meio de fenômenos como quiet cracking (sentimento de desconexão que corrói o comprometimento com o trabalho), quiet quitting (demissão silenciosa) e burnout (esgotamento por excesso de trabalho) – novas terminologias em inglês que refletem antigos e persistentes desafios para gestores e trabalhadores: a desconexão gradual que pode levar ao rompimento da relação de trabalho e acarretar  prejuízos para a saúde mental. Estes conceitos, que vêm gerando debates na mídia e nos espaços corporativos, representam, na verdade, sintomas de uma doença organizacional mais profunda: a epidemia de pobreza relacional que assola muitas organizações.

A pobreza relacional vai além da solidão convencional. É a carência sistêmica de vínculos significativos e reconhecimento genuíno no ambiente profissional. Os números revelam uma crise de proporções preocupantes: segundo o Ministério da Previdência Social, somente no ano passado registraram-se 470 mil afastamentos por transtornos mentais, o maior número desde 2014, representando um aumento assustador de 68%.

Dados da Gallup indicam que apenas 23% dos profissionais estão verdadeiramente envolvidos em seus trabalhos, enquanto 59% estão simplesmente cumprindo tabela. Por outro lado, segundo dados da Universidade da Califórnia, nos EUA, colaboradores engajados podem ser até 31% mais produtivos e três vezes mais propensos a apresentar ideias inovadoras que impulsionam o crescimento empresarial. Essa constatação destaca a importância de investir na contratação de profissionais que estejam alinhados à cultura e aos valores da empresa desde o início, garantindo assim uma equipe eficiente e integrada.

As causas dessas relações disfuncionais no ambiente de trabalho são multifatoriais. Um levantamento recente da Inmar Intelligence, com mil trabalhadores, revelou que 34% dos profissionais entrevistados afirmam que o trabalho impacta positivamente sua saúde mental, enquanto 33% relatam efeitos negativos. A pesquisa apontou que os principais fatores positivos no ambiente de trabalho são: segurança no emprego (45%), carga de trabalho razoável (40%), gestão acolhedora (40%), opções de trabalho flexível (39%) e cultura organizacional saudável (38%). Em contrapartida, os principais fatores negativos incluem: comunicação ineficaz (32%), excesso de trabalho ou demandas pouco claras (30%), cultura tóxica ou estressante (29%), falta de reconhecimento (25%) e gestão não solidária (24%). A disparidade de percepções reforça o papel crucial das lideranças e do desenho organizacional em promover ambientes mais saudáveis e inclusivos.

No entanto, muitas organizações ainda cometem o erro crasso de tratar sintomas com soluções transacionais. Programas de bem-estar que oferecem yoga em culturas que valorizam expedientes extensos, pressão por prazos ou metas irreais ou, ainda, pesquisas de clima anuais cujos resultados são arquivados, representam iniciativas inócuas que ignoram a doença central: a pobreza relacional.

O paradoxo moderno é que nunca estivemos tão conectados tecnologicamente e tão desconectados humanamente. “A solidão não é falta de gente por perto — é a falta de conexões significativas”, definiu a cientista social Kasley Killam e autora do livro The Art and Science of Connection, durante a edição deste ano do South by Southwest (SXSW). E o mundo digital amplificou esse paradoxo: 85% das interações profissionais hoje ocorrem por mensagens ou e-mails. No modelo híbrido de trabalho, adotado pela maioria das empresas globais (dados do SXSW), equipes perdem oportunidades de criar vínculos espontâneos — como aquele papo no corredor, no intervalo do café ou no almoço com colegas.

Romper este ciclo exige uma reengenharia radical das arquiteturas relacionais.  A criação de mecanismos de aferição em tempo real representa outro passo crucial. Tornam-se necessárias ferramentas de verificação contínua e anônima que meçam não apenas carga de trabalho, mas a qualidade das conexões humanas. O elemento crítico, porém, reside na ação consequente.

A vulnerabilidade hierárquica emerge como pilar transformador. Quando um líder compartilha autenticamente suas necessidades humanas - estabelecer limites, priorizar a família - não demonstra fraqueza, mas concede permissão social para que todos possam agir de forma similar sem medo de represálias.

Para monitorar e entender melhor como nossas equipes estão se sentindo, na Nearsure, uma empresa da Nortal, monitoramos de perto a satisfação dos funcionários por meio do eNPS (Employee Net Promoter Score) e do eSAT (Employee Satisfaction). Em 2024, nosso eNPS global aumentou de 49 para 64, superando em muito a média do setor de tecnologia, que é de 35. No Brasil, esse número sobe para 82. Também registramos um eSAT de 84% globalmente e 90% localmente. Até 2025, estabelecemos metas ambiciosas: elevar o eNPS para 71% e atingir um eSAT de 86%.

Ao mesmo tempo, fica claro que, para compreender a saúde organizacional de forma mais aprofundada, o setor poderia desenvolver métricas mais inovadoras, capazes de captar aspectos que as pesquisas tradicionais ainda não conseguem identificar. Entre elas, estão a densidade relacional, para mensurar a quantidade e a qualidade dos relacionamentos; a profundidade conversacional, que reflete o nível de vulnerabilidade permitido; e a velocidade da confiança. Essas ferramentas proporcionariam uma visão mais completa de como os relacionamentos humanos são construídos dentro das equipes.

Em última análise, quiet cracking, burnout e quiet quitting representam gritos de socorro silenciados pela cultura do "siga em frente". Manifestam a desconexão profunda entre capital humano e propósito corporativo. Quebrar esse ciclo não concerne à oferta de mais benefícios, mas ao engajamento em transformação cultural profunda que posicione as relações significativas não como custo operacional, mas como alicerce estratégico para produtividade sustentável.

O futuro do trabalho não será moldado por mais tecnologia, mas por mais humanidade - e isto começa com o reconhecimento de que nossa crise é fundamentalmente relacional. As organizações que entenderem isto colherão não apenas mais produtividade, mas mais propósito e realização para todos que nelas trabalham.

*Por Marcela Rodriguez, Chief People Experience Officer da Nearsure.