
Multilaser tem problemas de todos os tamanhos. Foto: Divulgação
A Multilaser, uma das maiores empresas brasileiras do setor de eletrônicos, acaba de divulgar um balanço trimestral muito ruim para o quarto trimestre de 2022, respingando também na SAP.
Primeiro, os resultados: a empresa teve um prejuízo de R$ 205 milhões no trimestre, um EBITDA ajustado negativo de R$ 150 milhões, e um fluxo de caixa (também negativo) de R$ 105 milhões.
O resultado foi ainda pior do que a expectativa do mercado, que era ruim: a XP previu cerca de um terço do prejuízo e um EBITDA próximo de zero. As ações da Multilaser na bolsa caíram 35% numa tacada.
A explicação é o cenário econômico de juros altos e incerteza na economia que levaram o consumidor a comprar menos produtos eletrônicos. As vendas de celulares, o principal negócio da Multilaser, caíram 46%. Para reagir, a Multilaser fez queima de estoque.
A SAP entrou no assunto por tabela, uma vez que a Multilaser começou em 2021 um projeto para fazer uma migração do seu sistema de gestão do Protheus para o S/4 Hana.
No seu relatório, a Multilaser menciona que teve “outras despesas duplicadas devido à migração do ERP, com impacto, principalmente, no 4T22”, ou seja, o quatro trimestre do ano passado.
Na análise da XP, a migração do ERP teve “impacto” no EBITDA, junto com o aumento dos custos de frete e de aluguel de centros de distribuição e por uma provisão de R$ 52 milhões relacionada a impostos.
A UBS também mencionou o projeto de ERP na sua avaliação.
“Considerando a mensagem da diretoria de que os impactos da substituição do ERP devem continuar nos próximos meses, o alto nível de estoque e a fraca demanda, achamos que os resultados desafiadores devem persistir no curto prazo”, aponta o UBS, em trecho do relatório citado pelo Brazil Journal.
O projeto SAP na Multilaser seguramente é complexo. A empresa usou por 17 anos o Protheus, um sistema da Totvs voltado para as necessidades de indústrias de médio porte.
Ao longo dos anos, o software seguramente recebeu inúmeras customizações, visando cobrir o crescimento da Multilaser, que passou de ser uma importadora de equipamentos eletrônicos para um gigante industrial, com um faturamento de R$ 4,4 bilhões no ano passado.
Segundo o Baguete divulgou em abril de 2021, o projeto de troca do ERP da SAP na Multilaser levava essa complexidade em conta, prevendo um processo escalonado.
Uma primeira fase, prevista para durar nove meses, previa a migração dos dados do Protheus para o S/4.
A partir daí, estavam previstas pelo menos outras quatro fases, contemplando a instalação do módulo de RH, com o processo de folha de pagamento e controle de ponto.
Segundo a reportagem do Baguete pode avergiuar, o sistema da SAP começou a rodar na Multilaser na segunda quinzena de janeiro deste ano.
Com base na informação que está na rua, não é possível dizer exatamente a dimensão dos custos gerados pelo projeto e o seu impacto real nos maus resultados entregues pela Multilaser.
Projetos de ERP, aliás, só costumam dar as caras em balanços como vilões. A reportagem lembra de um relatório de 2012 da Fras-le, uma empresa da Randon, que foi especialmente cruel com a SAP, que também estava realizando uma migração na empresa na época, nesse caso do Datasul.
Tendo tudo isso em conta, é preciso agregar ainda que a situação da Multilaser realmente é complexa e tem a ver com problemas mais estruturais do que com o sistema de gestão.
O quanto é possível de se ver nas palavras do relatório do Itaú BBA, que, na opinião do Brazil Journal, foi o mais duro de todos os bancos que cobrem as ações da Multilaser.
O analista Thiago Kapulskis disse que teve uma conversa “fascinante” com o CEO da Multilaser em novembro.
“Saímos da reunião com a clara impressão de que ele era um empreendedor muito talentoso (quem sabe um gênio?) que otimizou um negócio de importação-construção-distribuição perfeitamente adequado às particularidades do Brasil”, escreveu Kapulskis.
No quarto trimestre, no entanto, esse encantamento bateu de frente com a realidade.
“Infelizmente, o quarto trimestre foi uma demonstração clara de quão difícil é fazer negócios no setor industrial no Brasil e os desafios de execução nessa área,” escreveu o analista. “O prejuízo de R$ 205 milhões no trimestre é a quantificação de uma tempestade perfeita”, conclui o texto.