PLR

CI&T: sem ameaça de greve

Sindpd vaza vídeo e joga lenha na fogueira, mas ainda não fala em paralisação.

08 de março de 2024 - 06:43
César Gon, fundador da CI&T, durante live com funcionários. Foto: Reprodução

César Gon, fundador da CI&T, durante live com funcionários. Foto: Reprodução

O Sindpd ainda não considera tentar mobilizar uma greve na CI&T, uma das maiores empresas de tecnologia do país, como reação a uma redução drástica no PLR da companhia.

É o que fica de uma nota divulgada pelo sindicato sobre uma reunião digital com funcionários da CI&T em São Paulo e no Paraná.

Em nota, o Sindpd afirma que 1 mil pessoas participaram do evento (um número alto, mas longe de majoritário na companhia, que tem cerca de 5 mil funcionários).

Ficou definido que o sindicato convidará a CI&T para abrir uma negociação, em um convite com prazo de resposta. 

Em caso de negativa, o assunto deve ir para a Justiça do Trabalho para uma mesa de mediação. 

Se esse passo não render frutos, deve ser convocada uma nova assembleia, na qual se decidirão novas ações. É o momento no qual uma greve poderia entrar em consideração.

"A assembleia demonstrou que os trabalhadores estão mobilizados e indignados com a postura da empresa. Vamos buscar a negociação ao máximo, mas se continuarem com essa postura intransigente e antissindical, a greve pode ser o caminho", avalia Antonio Neto, presidente do Sindpd. 

A origem da crise é a redução do plano de participação nos resultados da CI&T, cujo valor caiu de 52% para 3% do salário.

O Sindpd acusa a empresa de não ter negociado a redução com o sindicato, o que seria sua obrigação legal. A CI&T afirma ter feito a redução dentro da lei, com “convite oficial” para participação dos sindicatos envolvidos, inclusive o Sindpd.

Mais além do duelo de versões, o Sindpd está jogando muita lenha na fogueira, fazendo coisas como divulgar pedaços de uma live interna de César Gon, fundador da CI&T, sobre a situação do PLR.

No vídeo de 37 segundos divulgado no X, no momento com quase meio milhão de views, Gon parece falar com uma dose de indignação e outra de sinceridade, sem considerar que o conteúdo poderia ser vazado (o que, de fato, é algo sem um precedente no país, ou ao menos até onde lembra esse repórter).

"Se a gente precisar do sindicato pra saber como vocês se sentem, fudeu, né gente?! Fudeu! Não vamos ganhar o jogo mundial com intermediário. Vocês precisam conversar dentro da CI&T, com os líderes da CI&T e comigo. Pelo amor de Deus, se depender do sindicato tamo morto, como 99% das empresas de tecnologia no Brasil”, afirma Gon. 

O Sindpd definiu as declarações de Gon como “assédio antissindical”. 

Os comentários de Gon podem não ter sido os mais elegantes, mas quem conhece o meio de TI sabe que elas também são bastante representativas do que pensa a maioria da liderança das empresas, e, pelo menos até pouco tempo atrás, uma boa parte dos funcionários.

(Este repórter, aliás, saúda a determinação de Gon de falar o que realmente pensa em português claro, no lugar de se esconder embaixo de camadas e camadas de frases vazias do corporativês falado por muitos empresários no país).

Em um cenário de funcionários de colarinho branco, em empresas em crescimento acelerado, com possibilidades de promoção e um mercado de trabalho pujante, o sindicalismo desempenhou tradicionalmente um papel pouco relevante nas empresas privadas de TI, focando sua atuação nas empresas públicas.

Nos últimos anos, porém, as empresas do setor atingiram uma escala e uma estrutura interna que dificulta o tipo de comunicação direta e engajamento com a causa que Gon parece querer instilar nos funcionários com da CI&T. 

As demissões em massa dos últimos tempos em muitas empresas de tecnologia também parecem ter afetado a autoconfiança dos profissionais da área, muitos dos quais nunca passaram por algo do tipo e acreditavam que as condições favoráveis no mercado eram o status quo permanente.

No meio de tudo isso, o Sindpd, de longe o sindicato de TI mais importante do país, vem dando mostras de uma postura mais confiante que se reflete no estilo incisivo (ou agressivo, se o leitor quiser) com o qual as negociações têm sido conduzidas. 

A postura parece dar resultados. No ano passado, o Sindpd convocou uma greve na Qintess, uma integradora de TI com 2,6 mil funcionários em São Paulo, um fato inédito em empresas privadas no país.

A situação na Qintess era bem mais séria: a empresa estava atrasando salários e pagamentos de FGTS e INSS. Outro facilitador da greve foi o fato de muitos deles estarem alocados em grandes clientes no setor público.

Mesmo assim, a adesão à greve foi baixa. A Qintess falou em 5% dos funcionários em São Paulo. O Sindpd não falou em cifras, mas em “participação efetiva”, especialmente dos funcionários em home office.

A greve terminou em menos de 24h, com um acordo levemente mais favorável para o sindicato do que as condições oferecidas pela Qintess antes da paralisação. 

De qualquer forma, foi um marco, e o Sindpd passou a usar a ameaça de greve em outras negociações, como o PLR da Stefanini, uma disputa que se arrastava a mais de uma década e teve um desfecho favorável para o Sindpd no ano passado. 

No final das contas, o debate do PLR da CI&T vai muito além dos valores a serem pagos no PLR, sendo mais um round de uma briga para redefinir as relações de trabalho dentro das empresas de TI. Os sindicatos, ou pelo menos o Sindpd, parecem estar ganhando até agora.