Fábio Seixas, fundador e CEO da Softo (Foto: Divulgação)
Nos últimos anos, tornou-se comum ouvir que o modelo Software as a Service (SaaS) está com os dias contados. À medida que a inteligência artificial, os modelos de linguagem e as plataformas autônomas avançam, muitos analistas acreditam que o SaaS será substituído por novas formas de entrega tecnológica. No entanto, essa visão ignora um ponto essencial: o SaaS não está morrendo, está evoluindo. O que está desaparecendo não é o conceito, mas a sua aparência, em que o SaaS está se tornando a infraestrutura invisível que sustentará a próxima era da computação.
O modelo tradicional, baseado em interfaces, dashboards e acessos individuais, está gradualmente sendo substituído por uma lógica centrada em APIs, integrações e automação inteligente. Saímos da era em que precisávamos “entrar em um aplicativo para executar uma tarefa” e entramos em um momento em que expressamos uma intenção, e sistemas inteligentes decidem como e onde executá-la. Quando um usuário diz “preciso enviar uma mensagem ao time de produto”, uma IA poderá decidir se o canal mais eficaz será o e-mail, o Slack ou o WhatsApp, usando as infraestruturas SaaS disponíveis, sem que o humano precise intervir na escolha.
Essa mudança representa o início da era da orquestração, em que o valor das plataformas não está mais em suas interfaces, mas na capacidade de integração entre múltiplos serviços. Empresas como Zapier e Make anteciparam esse movimento, mas a próxima fase será ainda mais disruptiva, em que os sistemas passarão a se conectar nativamente, com fronteiras cada vez mais difusas entre um serviço e outro. Nesse novo paradigma, as empresas SaaS que prosperarão serão aquelas capazes de fornecer APIs robustas, interoperabilidade fluida e modelos de negócio baseados no consumo e na automação, não em licenças e usuários.
A inteligência artificial é o catalisador que acelera essa transição. Os grandes modelos de linguagem (LLMs) já conseguem interpretar intenções humanas e traduzi-las em ações técnicas precisas. Essa capacidade cria uma camada intermediária poderosa, que permite à IA atuar como um orquestrador universal de serviços, acionando diferentes sistemas de SaaS conforme a necessidade de cada tarefa. Nesse cenário, o SaaS não desaparece, mas ele desce de camada, deixando de ser o protagonista da interação e passa a ser o palco invisível onde a geração de valor acontece.
O formato clássico de assinatura por usuário ou por mês tende a perder relevância diante de um uso cada vez mais orientado por APIs e processamento automatizado. As métricas de sucesso passam a incluir o volume de integrações, a estabilidade das orquestrações e a eficiência com que um sistema contribui para resolver problemas reais. O valor do SaaS deixa de estar na interface e passa a estar na capacidade de entrega e continuidade operacional.
De acordo com levantamento da Precedence Research, o mercado global de SaaS está estimado em US $408,21 bilhões em 2025, com previsão de crescimento para cerca de US $1.251,35 bilhões em 2034, impulsionado por uma taxa composta anual de crescimento de aproximadamente 13,3%. Para o usuário, tudo parece mais simples, em vez de navegar por aplicativos, ele apenas comunica o que deseja. Por trás dessa simplicidade, porém, há uma infraestrutura cada vez mais sofisticada, composta por serviços interconectados, automações autônomas e fluxos inteligentes. A experiência é mais fluida, mas a engenharia que a sustenta é muito mais complexa e interdependente.
Para desenvolvedores, essa nova era exige um reaprendizado estrutural, onde o foco do desenvolvimento de software se desloca da criação de interfaces para o design de componentes, contratos de serviço e integrações modulares. O desafio deixa de ser projetar uma “experiência de uso” e passa a ser construir blocos tecnológicos confiáveis e interoperáveis, capazes de sustentar ecossistemas inteiros. O sucesso técnico estará menos em “como o usuário navega” e mais em “como os sistemas conversam entre si”.
O futuro do SaaS, portanto, não é o desaparecimento, é a maturidade invisível. Ele se tornará tão presente e essencial quanto a energia elétrica, se tornando uma base que alimenta tudo, mas que raramente pensamos a respeito. O software como serviço deixará de ser um destino e se tornará um meio. Entramos na era das intenções, em que o humano define o objetivo e a tecnologia escolhe o caminho. O SaaS que conhecemos pode estar sumindo da superfície, mas a sua essência nunca foi tão viva, poderosa e indispensável para o futuro da inovação.
*Por Fábio Seixas, profissional com mais de 30 anos de experiência em tecnologia e negócios digitais, é empreendedor, mentor e especialista em desenvolvimento de software. Fundador e CEO da Softo, uma empresa de soluções de IA e software customizado, Fabio já criou e dirigiu oito empresas da economia digital. Sua trajetória inclui expertise em software, inteligência artificial, infraestrutura em nuvem, produtos digitais e web3.