
Virgilio Marques dos Santos, sócio-fundador da FM2S Educação e Consultoria (Foto: Isaque Martins)
Distração. Segundo o dicionário Michaelis, “ato ou efeito de distrair(-se); estado em que a atenção está dividida entre vários assuntos ou ações, falta de concentração dos sentidos quanto à realidade imediata, desatenção; solaz, vagueação. Resultado da desatenção; irreflexão, inadvertência, lapso, equívoco. Do latim, distractĭo”.
Um exemplo prático: estou a escrever esse texto, mas ouvindo a vizinha brincar com seu filho de imitação. Também ouço um avião sobrevoando a minha cabeça. Olho para o céu em busca do mesmo e, quase sempre, lanço mão de acessar o famoso flightradar24, que mostra o tráfego aéreo. Uma vez no site, procuro a aeronave e bingo: tenho a sua matrícula (equivalente a placa de um carro).
Com ela em mãos, acesso o RAB (Registro Aeronáutico Brasileiro) no site da ANAC (Agência de Aviação Civil). Lá, tenho informações sobre proprietário e operador da aeronave. Com uma busca rápida no Google, chego até quem passa sobre a minha cabeça. Vejo fotos, empresas, patrimônio e penso: sou bom em “stalkear”. Sinto prazer em ter a informação.
Paro. Reflito. Por que eu perdi o foco procurando uma informação totalmente inútil para mim?
Rapidamente começo a ouvir a frequência do controle de aproximação de aviões em Campinas. Esqueci aberto o site do tráfego aéreo. Ouço aviões, controlador, comentários sobre o clima, enfim, puro suco de inutilidade para mim. Talvez esteja procurando reviver o ambiente da época em que voava aos finais de semana, ou então, é só mesmo distração para fugir da tarefa de organizar as ideias e compor um texto para vocês.
Chega. Preciso escrever. Vou focar, mas o vento balança as árvores e a brisa perpassa minha janela. Que gostoso. Há silêncio agora. Ou não, talvez o ruído de fundo seja a estrada. Sim, moro próximo a uma rodovia. Carros, caminhões e motos aceleraram no domingo pela manhã. Puxa, rodovia me lembram algumas viagens. Mas não. Foco! Já se foram 30 minutos sentado em frente ao computador e não saiu nada.
Mas no trabalho é diferente.
Será? Será mesmo que no trabalho eu estou focado no que preciso fazer? Ou, talvez, se tivesse a capacidade e a disciplina para me concentrar, eu pudesse trabalhar de 3 a 4 horas por dia? Arrisco um sim nessa resposta. Caro leitor, já pensou na quantidade de distrações que existem na empresa?
Vamos lá. Chego no trabalho, pois não faço home office. A primeira ação é dar bom dia a todos. Além da saudação, é de praxe uma brincadeira ou uma pergunta só para gerar um comentário e uma conversa. Finalizo esta etapa, sento-me na minha mesa. O que irei fazer? Penso. Começo por onde? Há coisas complexas e difíceis de estruturar, porém acho por bem começar por algo operacional. Extrair dados e consolidá-los nas planilhas que alimentam meus gráficos de acompanhamento dos itens de controle de marketing.
Quase uma hora se passou para a realização dessa tarefa, que poderia ser automatizada ou, pelo menos, delegada. Isso sem contar a verificação dos e-mails, WhatsApp e comunicador da empresa. Neles, sempre acabo me perdendo e tomando mais tempo do que o necessário - ou pior, dando meu aval para decisões que não estou preparado.
Volta. Rotina. Avalio meus gráficos e pondero se não seria bom mexer em algumas campanhas. Sei que o jeito certo de fazer mudanças é por meio de Ciclos PDSA ou Katas da Melhoria; contudo, a ansiedade de tomar uma ação é grande. Sei que mexi na semana passada e que, pelo que registrei no PDSA, precisarei rodar 30 dias a mudança para afirmar se foi boa ou ruim. A Estatística, a qual tenho tanto apreço e utilizo, contrasta com meu cérebro ansioso por tomar ações.
Não resisto. O algoritmo está me fazendo sugestões para melhorar o resultado da minha campanha. Ele é responsável por melhorar o meu desempenho. Ou será que querem que eu gaste mais e não necessariamente tenha retorno? Me lembro das vezes que já acatei as sugestões e perdi alguns milhares de reais. Mas agora deve ser diferente, versão nova ou coisa que valha. Não resisto e faço uma pequena mudança, cujo único objetivo é saciar a minha ansiedade.
Além do risco de fazer bobagem com minha ação atabalhoada, gastei pelo menos mais 40 minutos nesse conflito entre fazer o certo ou deixar-me trair pelos meus sentimentos. Percebem a quantidade de erros presentes em minha conduta?
Neste breve relato, ficam claras inúmeras falhas que se dão pela falta de rotina. Se tivessem momentos corretos para tratar cada uma dessas coisas, o resultado seria muito melhor.
Exemplo: os projetos de melhoria de desempenho de campanhas deveriam ser tratados apenas na primeira semana do mês. Não há como analisar gráficos de controle com menos de 30 pontos. Em casos excepcionais de falhas épicas, pode-se abrir exceção. Mas, se o fizer, deveria ser de forma correta, atribuindo a disciplina do tempo, objetivo e técnica. Mudanças sem seguir o rito da empresa só pioram algo já ruim.
Gerenciar a minha rotina e ter disciplina para com ela devem ser ações garantidas pelas minhas obrigações - seja com as reuniões semanais de planejamento com meu time, reuniões mensais de resultados, alinhamentos de projetos e eventuais tarefas exclusivas do meu cargo. Se, por razões históricas, sou tecnicamente o mais apto da empresa no domínio das campanhas de marketing de desempenho, mas meu cargo atual não demanda esse conhecimento, não deveria utilizá-lo.
Nesses casos, deveria ser a referência técnica daquele assunto e o responsável por suportar os ocupantes dos cargos que utilizam aquele conhecimento em suas rotinas. E o processo de suporte e mentoria deveria ser padronizado para garantirmos a transferência do conhecimento e a preparação da próxima referência. No mundo corporativo, utiliza-se muito o anglicismo: "formar pipeline".
Sem essa disciplina, o cérebro primitivo - que apenas obedece aos estímulos e instintos - manda. E, hoje em dia, infelizmente, tudo o que nos cerca é desenhado para aproveitar os nossos "defeitos" de fabricação. Quanta gente acaba se endividando por razões erradas ou falta de disciplina? Quantos, por medo de se indispor, não fazem o conveniente ao invés do certo?
É muito estímulo e pseudo recompensas criadas para que façamos isso. Entretanto, leitor(a), se chegou até aqui, sinta-se privilegiado(a). Dedicou bons minutos ao meu grito de alerta de algo que eu preciso lembrar-me todo dia. Uma hora de esquecimento dessa condição pode me levar para situações que não me farão bem no futuro. Nem mesmo no futuro próximo, como amanhã ou no final do mês. Termino o meu texto com algo que me desviou no início, mas que espero ter conseguido passar como mensagem: ter foco!
Virgilio Marques dos Santos é um dos fundadores da FM2S, gestor de carreiras, doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp e Master Black Belt pela mesma Universidade. Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da Unicamp, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.