CONCORRÊNCIA

Por que o ChatGPT não ameaça o Google

Novo player é um avanço da IA, mas não representa uma ameaça aos players que já estão nesse esforço há anos.

27 de fevereiro de 2023 - 08:13
Ricardo Formighieri de Bem, fundador e CEO da Divex. Foto: Divulgação

Ricardo Formighieri de Bem, fundador e CEO da Divex. Foto: Divulgação

Vamos começar pelo… começo. A explicação do porquê isto não vai acontecer, passa por um esclarecimento básico: uma confusão de uso e finalidades.

Primeiro: são propostas diferentes.

Não confunda alhos com bugalhos.

Em primeiro lugar, o ChatGPT não vai acabar com o Google, porque são coisas diferentes, objetivos diferentes, funcionalidades diferentes e bases distintas. Se você está usando o ChatGPT como buscador, você está fazendo isso errado.

O propósito do ChatGPT é elaborar e manter diálogos, simulando um humano. Tanto no aspecto de linguagem, quanto de conhecimento, quanto no raciocínio. O ChatGPT é um modelo de Processamento de Linguagem Natural (NPL — Natural Processing Language), uma das diversas áreas da Inteligência Artificial.

O Google é um Mecanismo de Busca. (Disclaimer: o Google é muito mais do que isso, desde a variedade enorme de ferramentas, até empresa de mídia, passando por serviços. Mas no que diz respeito às comparações com o ChatGPT, é ao buscador que se faz referência.)

Origem e tratamento dos dados: ultraprocessados x brutos

A fonte para as respostas do ChatGPT está em uma base de dados própria, sua Base de Conhecimento. Cada vez que você interage com ele, é esta base que é consultada, e não a Internet. Se você perguntar “Que país é o campeão da Copa do Mundo do Catar?”, ele não terá esta informação, pois sua base de dados contém informações até 2021.

Ou ele lhe explicará isto, ou, tentando responder, dará uma resposta errada.

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E, de novo… se você quer fazer uma pergunta deste tipo, uma consulta simples, use o Google. O Google, sim, é um buscador. Um mecanismo de pesquisa. O Google consulta toda e qualquer informação que for publicada na Internet. Logo, traz as informações mais atuais também.

O Google não aplicará tratamento algum sobre a informação que buscar. Ele fará a consulta na Internet, em sites, portais de notícias, blogs, etc.., com base nos termos da sua digitação, encontrará tudo que estiver relacionado às palavras-chave digitadas, e apresentará os resultados, por ordem de importância, segundo os critérios dos seus algoritmos.

Você clica, e acessa a informação original, no seu lugar original. Seja um site, blog ou portal. O Google não processa informação, não elabora respostas. O Google indexa e busca informações, para apresentar as listas dos locais (URL’s) destas mesmas informações.

Já o ChatGPT, como dito, não vasculhará a internet. Longe disso, aliás. Diante da sua pergunta ou provocação, ele consultará a sua própria Base de Conhecimento, formada pela OpenAI, empresa que criou o ChatGPT.

Essa base de conhecimento é alimentada, permanentemente, com informações de diversas fontes, incluindo a internet, livros, artigos científicos e notícias, dentre outras. O ChatGPT também não usa informações fornecidas pelos usuários (nós), para ampliar sua base de conhecimento, como no caso, por exemplo, da enciclopédia Wikipedia.

Nossos diálogos com ele servem para treinar sua capacidade de interação.

Pense no Google como um bibliotecário, que organiza (indexa) e encontra toda a informação que você busca; e no ChatGPT como um “sábio”, com quem você poderá conversar sobre qualquer assunto e receber de volta soluções, sugestões e possibilidades.

O foco do ChatGPT, reforçando, é “diálogo”. Como, aliás, ele mesmo informa:

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Então, se o ChatGPT fosse um buscador, um mecanismo de busca, aí ele poderia vir a ameaçar o Google (em sua função buscador). Mas não é o caso. Em grande parte dos casos em que tentamos usar o ChatGPT como mecanismo de busca, aliás, ele falha miseravelmente. Como no exemplo da Copa do Mundo, citado anteriormente.

Segundo: Google é muitas coisas, em muitos lugares

Canivete Suíço é apelido… o Google é um gigante da tecnologia

A face mais evidente do Google é, de fato, o seu mecanismo de busca. E virou até verbo: “Googlar”. Ou, “Dá um Google aí!”. Porém, a “griffe” Google assina muitos, mas muitos softwares, ferramentas e plataformas. Gmail, Chrome, Google Maps, Google Meet, Google Tradutor, Google Agenda, YouTube, Google Photos, são alguns dos mais comuns e populares. Veja (quase) todos, na imagem abaixo:

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No mundo físico, temos os computadores Google: os Chromebooks. Além de computadores, temos também smartphones, com o excelente PIXEL.

Voltando pro digital, toda vez que você usa o Waze, para se guiar por caminhos desconhecidos, está usando um produto Google.

Mas o ponto chave — e que passa longe de buscadores, inteligência artificial ou ferramentas — é o fato do Google (Alphabet) ser uma das maiores empresas de mídia do mundo, ao lado de players como Meta, Walt Disney, Netflix e Comscore. 

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O Google — em 2021 — gerou US$ 209 bilhões (mais de 81% da receita) de anúncios (Pesquisa do Google, anúncios do YouTube e sites de rede), seguido por Google Play, smartphones Pixel, YouTube Premium (um segmento de US$ 28 bilhões) e Google Cloud (US$ 19 bilhões). Mais de US$ 31.5 bilhões foram para P&D (12.3% de suas receitas).

Terceiro: Google lança o Bard

Agora sim, temos um jogo

O lançamento do Bard, na última segunda-feira (06/02/2023), preencheu essa lacuna que muitos estavam ocupando, equivocadamente, com Google buscador. O Bard é, de fato, um chatbot de IA Conversacional. Em outras palavras, um rival — na mesma categoria, e com a mesma finalidade — para o ChatGPT.

Embora pareça uma “resposta” do Google, por conta do lançamento posterior ao do ChatGPT, os trabalhos e a pesquisa do Google com Inteligência Artificial, vem de longa data. Pra quem olha pra esse segmento, o TensorFlow e o DialogFlow, não são nenhuma novidade. E existem há anos.

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Mas estas tecnologias, assim como o IBM Watson, tem ficado circunscritas ao ambiente corporativo. E, dentro dele, ainda, em um nicho ainda mais restrito. O ChatGPT explodiu para o povo. É hype total.

Voltando ao Google Bard: seu nome foi inspirado nos “Bardos”, que eram contadores de histórias da Europa Antiga, responsáveis por transmitir a cultura, a história e as tradições de seu povo, de forma oral.

O Bard é resultado das pesquisas do Google com o modelo LaMDA — Language Model for Dialogue Applications, cujo anúncio de lançamento foi em maio de 2021.

O CEO da Google, Sundar Pichai, observa que o Bard “se baseia em informações da web para fornecer respostas frescas e de alta qualidade”, sugerindo que ele poderá responder a perguntas sobre eventos recentes — coisa que, como já vimos antes, o ChatGPT não consegue.

O Bard estará integrado às buscas do Google. Nesse quesito, larga na frente. A Microsoft, que está investindo pesado no ChatGPT, já anunciou intenção de integrá-lo ao Bing. Os próximos capítulos prometem!

Ou seja, não é desta vez que o Google balança. A iniciativa — e principalmente o aproach — da OpenAI, com o ChatGPT, são elogiáveis e bastante significativos para o avanço e popularização da Inteligência Artificial. Mas não representam nenhuma inovação, nem revolução nesse área. Muito menos, uma ameaça aos players que já estão nesse esforço há muitos anos. É, sim, uma força a mais no aprimoramento do Processamento de Linguagem Natural.

*Por Ricardo Formighieri de Bem, fundador e CEO da Divex.