ESCOLHAS

Customizar demais o ERP é um risco operacional?

Manter o core limpo pode ser mais estratégico do que parece para a continuidade do negócio.

19 de agosto de 2025 - 11:47
Guilherme Moraes (Foto: Divulgação)

Guilherme Moraes (Foto: Divulgação)

O ERP foi criado para organizar e integrar o funcionamento das empresas. Mas, com o tempo, muitas companhias transformaram essas plataformas em sistemas cada vez mais frágeis, caros e imprevisíveis. Desse paradoxo surge o software que deveria gerar eficiência, mas passou a consumir recursos, travar decisões e, em casos críticos, colocar em risco toda a operação.

Esse cenário não é exagero. Estamos falando do resultado direto de um padrão ainda muito comum no mercado: a personalização excessiva. Em nome da “adequação ao negócio”, adaptações profundas são feitas no core do sistema, desfigurando a arquitetura original e rompendo com a lógica de atualização contínua. O resultado é um ambiente difícil de manter, lento para evoluir e vulnerável a falhas.

E falhas em ERPs não são como bugs em sistemas periféricos. Elas têm consequência real, e cara. Já ouvi de um gestor do setor agroindustrial um alerta que resume bem a gravidade do problema. Se o SAP parasse por algumas horas em sua companhia, o controle de temperatura de unidades com animais vivos seria comprometido, com risco de perda total da produção e prejuízos milionários em um único turno. Em outra conversa, um executivo da indústria alimentícia explicou que uma falha, mesmo que breve, poderia interromper a cadeia de abastecimento de centros de distribuição, colocando em risco contratos com grandes redes varejistas.

Ambientes assim não colapsam por limitações técnicas, mas por ausência de disciplina. E é nesse contexto que o modelo CleanCore, criado dentro do ecossistema SAP, surge como uma alternativa estratégica. Ele parte de uma premissa clara de manter o núcleo do sistema o mais próximo possível do padrão original, evitando alterações profundas e priorizando extensões homologadas e testadas pela fornecedora.

Com essa abordagem, o ERP passa a ser uma plataforma estável e previsível. Atualizações exigem menos esforço, a adoção de novas funcionalidades acontece com velocidade e o custo de manutenção cai drasticamente. Estimativas indicam redução de até 40% nos gastos anuais com suporte técnico e até 70% no esforço necessário para upgrades, dependendo do ramo e patamar da empresa.

Mas o ganho mais relevante talvez não esteja nos números. Está na liberdade de inovar. Tecnologias como inteligência artificial, automação de processos e analytics em tempo real dependem de dados consistentes e arquiteturas limpas. Quando o SAP está sobrecarregado por customizações herdadas, nenhuma dessas soluções avança com segurança. A empresa segue travada, mesmo investindo pesado em transformação digital.

Ainda assim, a resistência persiste. É comum ouvir que cada empresa tem suas particularidades e que o ERP precisa se adaptar a elas. Isso é parcialmente verdade. Mas, muitas vezes, o que se defende como diferencial competitivo é, na prática, legado técnico mal gerido ou mal integrado. E, dependendo do caso, adaptar esse legado pode custar até cinco vezes mais do que implementar uma solução padrão bem planejada desde o início.

O CleanCore, portanto, não é um retorno ao básico. É uma escolha estratégica. Não exige rigidez absoluta, mas sim discernimento sobre onde vale customizar e onde seguir o padrão é mais inteligente. Algumas personalizações continuarão existindo, mas agora com critério, governança e clareza de impacto.

Essa transição, claro, não acontece sozinha. Exige mudança de postura da TI, que precisa atuar como arquiteta do sistema e não apenas executora de demandas. Exige maturidade das áreas de negócio, que devem participar da construção da solução sem apego a práticas obsoletas. E exige, sobretudo, consciência e compromisso da liderança, que precisa sustentar a decisão mesmo diante de pressões internas por atalhos.

O mercado já mostrou que a customização desenfreada cobra um preço alto. Em muitos casos, ela transformou o ERP em um risco estrutural, com efeitos operacionais, financeiros e reputacionais profundos. É hora de repensar.

Manter o core limpo talvez não seja apenas uma boa prática técnica. Pode ser a diferença entre ter um sistema que acompanha a estratégia da empresa ou um que a impede de avançar. 

*Por Guilherme Moraes, executivo de contas da Gateware.