Edson Hideki, sócio-fundador da Revio, e Daniel Marques, presidente da AB2L (Foto: Divulgação)
Nos últimos anos, temos acompanhado de perto a expansão da inteligência artificial (IA) no sistema de Justiça brasileiro. O crescimento acelerado do uso dessas tecnologias acende um alerta importante: precisamos enfrentar, com seriedade e rapidez, os desafios éticos e regulatórios que acompanham essa transformação.
De acordo com os dados mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgados em setembro, 65% dos tribunais brasileiros já utilizam ferramentas de IA para otimizar fluxos de trabalho, apoiar decisões e acelerar a tramitação de processos. Esse número mostra que a IA já não é um experimento, mas uma realidade consolidada que está remodelando a atuação do Judiciário, dos escritórios de advocacia e dos departamentos jurídicos.
Com essa mudança, identificamos três pontos cruciais que precisam de atenção imediata: a transparência dos algoritmos, a responsabilidade por decisões automatizadas e a proteção de dados sensíveis. No campo jurídico, cada sentença e parecer impactam diretamente direitos fundamentais. Por isso, o uso de sistemas de IA exige rigor técnico, supervisão humana constante e normas claras de governança tecnológica. Sem isso, corremos o risco de comprometer a confiança em um dos pilares mais sensíveis da sociedade: a Justiça.
Essa revolução tecnológica também já chegou aos escritórios de advocacia e departamentos jurídicos, que passaram a contar com sistemas capazes de automatizar tarefas complexas, interpretar grandes volumes de dados e ampliar significativamente sua capacidade de entrega. A transformação é estrutural e já altera o equilíbrio do ecossistema: a inteligência artificial está nivelando o campo de atuação. Ferramentas que antes dependiam de grandes equipes e altos investimentos agora estão ao alcance de escritórios de todos os portes. Isso representa democratização do acesso à tecnologia e a possibilidade de serviços jurídicos mais eficientes.
Para nós, é essencial compreender a IA como um instrumento de apoio estratégico, não como substituta dos profissionais. A tecnologia deve servir para organizar informações, otimizar rotinas e apoiar análises complexas, não para substituir juízes, advogados ou demais atores do sistema. O próprio CNJ já estabelece diretrizes que exigem transparência, auditoria e participação humana na revisão dos conteúdos gerados. Esses princípios precisam ser levados a sério para que a tecnologia fortaleça, e não fragilize, o sistema de Justiça.
Acreditamos que, para que essa transformação seja efetivamente positiva, é fundamental avançar em regulações claras, criar mecanismos independentes de auditoria e investir na formação ética e técnica dos profissionais que lidam com a IA. Caso contrário, corremos o risco de decisões automatizadas ocorrerem sem supervisão adequada ou de vieses algorítmicos comprometerem a imparcialidade e a confiança no sistema judicial.
Com a IA já consolidada em grande parte dos tribunais, esse debate deixa de ser teórico e se torna uma urgência prática. O desafio agora é garantir que a tecnologia seja uma aliada da Justiça, promovendo eficiência sem abrir mão da transparência, da responsabilidade e da equidade.
*Por Edson Hideki, sócio-fundador da Revio, e Daniel Marques, presidente da AB2L.