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Sua empresa está usando IA na sombra?

O problema da Shadow TI é agravado pela popularidade da inteligência artificial.

01 de outubro de 2025 - 11:41
Fabio Santos (Foto: Divulgação)

Fabio Santos (Foto: Divulgação)

A inteligência artificial (IA) tem se consolidado como uma das forças mais transformadoras da era digital, remodelando indústrias, otimizando processos e prometendo um futuro de inovações sem precedentes. No entanto, a rápida proliferação de ferramentas de IA, especialmente as generativas, trouxe à tona um fenômeno complexo e muitas vezes invisível: a Shadow AI. 

Este termo descreve o uso de ferramentas de IA por funcionários sem o conhecimento ou a aprovação formal de suas organizações, criando um ecossistema paralelo que, embora possa impulsionar a produtividade individual, também acarreta riscos significativos para a segurança, governança e conformidade.

Neste artigo explorarei a natureza da Shadow AI, suas implicações e a dinâmica de adoção da IA em dois mercados cruciais: Brasil e Estados Unidos. Ao comparar as tendências e desafios em ambos os países, trarei uma visão abrangente sobre o presente e o futuro da IA, destacando a necessidade de estratégias mais coesas para integrar a inovação da IA com a segurança e a governança corporativa.

O fenômeno da Shadow AI

A Shadow AI, ou “IA Sombra”, representa o uso de ferramentas e aplicações de inteligência artificial por colaboradores de uma organização sem o conhecimento, a aprovação formal ou a supervisão das equipes de TI ou segurança. Este fenômeno abrange desde o uso de plataformas de IA generativa como ChatGPT e Claude para tarefas diárias até assistentes de codificação e ferramentas de análise de dados que operam fora dos canais oficiais da empresa. 

O relatório "State of AI in Business 2025" do MIT LAB destaca que, embora apenas 40% das empresas tenham adquirido assinaturas oficiais de LLMs, mais de 90% dos funcionários entrevistados utilizam regularmente ferramentas de IA pessoais para suas atividades de trabalho. Essa disparidade revela uma economia de Shadow AI próspera, onde a produtividade individual é impulsionada por soluções flexíveis e responsivas, muitas vezes com um ROI superior ao das iniciativas formais que permanecem estagnadas na fase de piloto.

No entanto, a conveniência e a eficiência percebidas da Shadow AI vêm acompanhadas de riscos substanciais. Um dos principais desafios é a segurança cibernética. Ao utilizar ferramentas de IA não sancionadas, os funcionários podem, inadvertidamente, inserir dados confidenciais da empresa em modelos de IA externos que armazenam ou processam informações fora do controle organizacional. Isso pode levar a vazamentos de dados, comprometimento da propriedade intelectual e violações de conformidade regulatória. A falta de governança é outra preocupação crítica, pois a ausência de supervisão de TI impede o monitoramento adequado e a aplicação de políticas de segurança, introduzindo vulnerabilidades invisíveis no ambiente corporativo.

Além dos riscos de segurança, a Shadow AI pode criar um desalinhamento entre as ferramentas utilizadas e os objetivos estratégicos da empresa. Embora as ferramentas pessoais possam aumentar a produtividade individual, elas nem sempre se integram de forma eficaz aos fluxos de trabalho existentes ou contribuem para uma transformação organizacional mais ampla. Ainda segundo o relatório, 95% das implementações de IA corporativas não geram retorno, e a maioria falha devido a fluxos de trabalho frágeis, falta de aprendizado contextual e desalinhamento com as operações diárias. 

Em contraste, a Shadow AI, ao demonstrar o que realmente funciona para os usuários, oferece uma oportunidade valiosa para as organizações. Empresas com visão de futuro estão começando a reconhecer esse padrão, analisando o uso da Shadow AI para identificar quais ferramentas pessoais entregam valor e, assim, informar a aquisição e implementação de alternativas empresariais mais eficazes e seguras.

Comparativo Brasil vs. EUA

A comparação entre a adoção de IA no Brasil e nos Estados Unidos revela um contraste fascinante, marcado por diferentes estágios de maturidade, cultura de trabalho e abordagens à inovação. Enquanto os EUA lideram em investimento e desenvolvimento de IA, o Brasil se destaca pelo otimismo e pela rápida adoção em massa, ainda que com menor acesso formal a treinamento e ferramentas corporativas. Nesse contexto, o fenômeno da Shadow AI se manifesta de maneiras distintas, mas igualmente relevantes, em ambos os países.

Nos Estados Unidos, a Shadow AI surge em um ambiente de alta maturidade tecnológica, onde a experimentação com ferramentas de IA é comum, mas a integração em larga escala nas empresas ainda é um desafio. A desaceleração na adoção por grandes corporações e a baixa utilização da IA na produção de bens e serviços sugerem que, apesar do acesso a tecnologias de ponta, as organizações americanas enfrentam dificuldades para escalar suas iniciativas de IA. A Shadow AI, nesse cenário, funciona como um laboratório informal de inovação, onde funcionários, especialmente os Millennials, exploram e validam o uso de ferramentas de IA para otimizar suas tarefas, preenchendo a lacuna deixada pela lentidão das implementações corporativas.

No Brasil, a Shadow AI assume um papel ainda mais crucial. Com uma porcentagem menor de empresas oferecendo acesso formal a ferramentas de IA e treinamento, os funcionários brasileiros recorrem à Shadow AI não apenas por conveniência, mas por necessidade. O alto índice de uso diário de IA (68%), combinado com o fato de que apenas 31% dos trabalhadores têm acesso formal a essas ferramentas no trabalho - segundo pesquisa da Read AI -, indica que a maior parte da adoção de IA no Brasil ocorre de forma não oficial. O otimismo generalizado e a percepção de que a IA melhora a rotina de trabalho impulsionam essa tendência, transformando a Shadow AI em um motor de produtividade e modernização, ainda que com os riscos de segurança e governança associados.

A Shadow AI é um fenômeno complexo que reflete a tensão entre a inovação impulsionada pelos usuários e a necessidade de governança e segurança corporativa. Ao compreender as motivações por trás da Shadow AI, investir em ferramentas corporativas mais eficazes, educar os funcionários e estabelecer políticas claras, as organizações podem construir um futuro onde a inovação da IA seja impulsionada de forma segura e estratégica. A visão de uso de IA no Brasil e nos EUA, portanto, não é apenas sobre a tecnologia em si, mas sobre como as empresas e os governos se adaptam a essa nova realidade, transformando os desafios da Shadow AI em oportunidades para uma integração mais inteligente e responsável da inteligência artificial.

*Por Fabio Santos, CEO da LPD Hive.