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A ideia de trabalhar das nove da manhã às nove da noite, seis dias por semana, pode parecer extrema, mas é exatamente isso que propõe o chamado modelo 996. Criado e popularizado na China, esse formato ganhou destaque em startups internacionais que buscam acelerar seus ciclos de desenvolvimento e garantir competitividade em um mercado cada vez mais exigente. O crescimento da inteligência artificial e outras tecnologias tem impulsionado essa cultura de performance acelerada, pressionando empresas a buscar eficiência e resultados em menos tempo.
Empresas como Browser Use, Cognition e Sonatic, com sede nos Estados Unidos, passaram a adotar essa jornada intensiva. Para equilibrar a carga horária, algumas oferecem benefícios como moradia, alimentação e assinaturas de aplicativos. Ainda assim, o 996 gerou polêmica e foi declarado ilegal na China em 2021, após protestos e casos de abusos trabalhistas.
O formato levanta uma questão relevante. Seria possível aplicar algo semelhante no Brasil dentro dos limites legais e sem comprometer a segurança jurídica das empresas?
A legislação trabalhista brasileira é clara ao estabelecer uma jornada máxima de oito horas por dia e quarenta e quatro por semana. Horas extras são permitidas mediante acordo, mas com limite de duas por dia. Também estão previstos intervalos obrigatórios e o descanso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos.
Dessa forma, um expediente como o 996, que ultrapassa muito esses limites, não se sustenta dentro das regras da Consolidação das Leis do Trabalho. Mesmo que um colaborador aceite voluntariamente, a empresa pode ser responsabilizada por violação da legislação, respondendo a processos judiciais e autuações administrativas que resultam em multas significativas e danos à reputação.
Não se trata apenas de um risco teórico. Doenças ocupacionais associadas ao excesso de trabalho, como síndrome de burnout e transtornos de ansiedade, têm gerado indenizações milionárias em tribunais trabalhistas. O modelo também pode aumentar a rotatividade e dificultar a atração de talentos, especialmente entre profissionais que priorizam equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Algumas empresas podem considerar alternativas fora da CLT, como contratações via pessoa jurídica ou como autônomos. No entanto, se houver subordinação, pessoalidade e habitualidade na prestação dos serviços, esses contratos podem ser invalidados pela Justiça e convertidos em vínculo empregatício, com todas as obrigações retroativas impostas à empresa.
O 996 pode parecer uma resposta rápida aos desafios de performance e entrega, mas no contexto brasileiro ele colide com regras jurídicas bem estabelecidas e com a construção de ambientes de trabalho sustentáveis. Ignorar esses fatores não é apenas arriscado. É uma escolha que pode custar caro, financeira e institucionalmente.
No fim das contas, o desafio das organizações está menos em copiar modelos extremos e mais em encontrar formas de crescer respeitando os limites legais e humanos do trabalho. Alta performance não precisa ser sinônimo de sobrecarga. E inovação, no Brasil, também passa por conformidade jurídica e responsabilidade social.
*Por Matheus Krizanowski, advogado do Ciscato Advogados Associados.