
Americanas é uma gigante do varejo brasileiro. Foto: Depositphotos.
A fraude na Lojas Americanas, um escândalo bilionário que arranhou a credibilidade do varejo brasileiro, era executada de um jeito para lá de simples na ponta: copiando e colando a imagem da assinatura de executivos de empresas parceiras.
O Valor Econômico teve acesso a emails e mensagens do WhatsApp que mostram o sistema funcionando no auge, ainda no ano de 2019.
Nele, uma funcionária pede para uma subordinada “melhorar” documentos que deveriam ser entregues para a KPMG, gigante de auditoria que era responsável pelas contas da empresa na época (substituída depois pela não menos gigante PwC, como parte de um sistema de rotação).
O problema era simples. O documento continha assinaturas duplas de funcionários da Colgate, Multilaser e L’Oreal e elas estavam “idênticas”, na “mesmíssima posição da linha e no mesmo enquadramento”.
O motivo era simples. Pelo sistema de “assinatura digital” da Americanas, as assinaturas dos executivos dos fornecedores eram recortadas digitalmente de contratos verdadeiros, arquivados na empresa, e aplicados nos contratos falsificados.
No caso desses fornecedores em particular, só um funcionário deu a assinatura original, levando a uma inevitável repetição da mesma imagem no esquema de recorta e cola.
No processo de falsificação, eram alteradas as datas e valores, mas não os dados cadastrais de indústrias.
As gigantes de auditoria responsáveis por checar os balanços conferiam as assinaturas por amostragem, e, como mostram as mensagens publicadas pelo Valor, dentro da Americanas havia o temor que eles pudessem desconfiar de algo (o que, aliás, nunca aconteceu: a fraude parece ter estourado porque ficou grande demais).
Os documentos eram autorizações fictícias de verba de propaganda cooperada de grandes empresas que vendiam seus produtos nas lojas da Americanas e na operação online da B2W (Americanas.com e as recentemente extintas Submarino e Shoptime).
Conhecida pela sigla VPC, esse tipo de verba é usado para coisas como campanhas publicitárias conjuntas, material de ponto de vendas, descontos em produtos ou eventos promocionais.
No caso da Americanas, os acordos de VPC serviam para tapear a contabilidade, com um grau de envolvimento da alta gestão que é tema no momento da Operação Disclosure da Polícia Federal.
Ao todo 27 fornecedores foram usados na fraude, a maior parte deles gigantes como Unilever, Colgate, L’Oreal, J&J, Mondelez, Coty, Hasbro, BIC, Oi, Tramontina apenas em algumas semanas de 2016, 2017 e 2019.
Os registros fraudulentos entravam como créditos. No caso da Lojas Americanas, eles reduziam o Custo das Mercadorias Vendidas (CMV) e, logo, melhoravam o lucro bruto. Já na B2W, também melhoravam o CMV e reduziam as despesas de marketing.
O delator Marcelo Nunes disse ao MPF que, em 2021, foram R$ 1,4 bilhão em verba de propaganda cooperada, para receita líquida anual de R$ 27 bilhões. Nunes não relata se tudo se tratava de fraudes.
A falsificação era chamada internamente de “arrecadação complementar” e teria iniciado em 2012, pelos dados preliminares das autoridades.
OPERACIONAL
O passo a passo da fraude envolvia poucas pessoas. Os valores falsificados eram registrados num arquivo Excel, verba por verba, de forma manual, pelo suporte comercial. O arquivo era chamado de versão 1, 2, 3 a depender de quantas existiam. Já a lista verdadeira era a “versão 0”.
Depois, isso era encaminhado ao centro de serviços (CSC), que inseria os dados no sistema, sem checar qualquer comprovante. A área de tecnologia da informação, por sua vez, liberava o acesso ao sistema a um grupo seleto de pessoas, que fazia parte das fraudes.