André Coura e Antônio Silvério Neto (Foto: Divulgação)
O Banco Central do Brasil finalmente entregou o que o mercado vinha pedindo há anos: regras claras, previsíveis e capazes de organizar um ecossistema que cresceu rápido demais e sem o mínimo de coordenação institucional. A nova regulação das criptomoedas encerra de vez o período em que cada um operava segundo sua própria interpretação e abre um ciclo muito mais seguro tanto para quem investe quanto para quem empreende.
Nesta mesma esteira regulatória, a Receita Federal editou nesta semana a Instrução Normativa 2.29, reforçando o novo marco ao exigir, a partir de janeiro de 2026, que prestadoras de serviços de criptoativos domiciliadas no exterior e que atuam no Brasil reportem informações diretamente ao Fisco. Trata-se de uma ampliação do alcance regulatório, agora também pelo viés fiscal e de cooperação internacional.
Nós, que atuamos diariamente no direito penal econômico, vimos de perto o que a falta de norma produziu. Não foram apenas golpes, pirâmides ou as operações que ganharam os noticiários. Foram também empresários bem-intencionados, investidores sérios e profissionais competentes que acabaram expostos a riscos jurídicos simplesmente porque não havia parâmetros. Esse cenário começa a mudar com a entrada em vigor das Resoluções BCB nº 519, 520 e 521, que estruturam o marco regulatório das prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAVs) e detalham critérios de autorização, governança e transparência.
A insegurança regulatória permitia interpretações amplas, zonas cinzentas e responsabilizações que muitas vezes extrapolavam a intenção real de quem operava. A nova regulação muda esse cenário para melhor e para todos. A partir de agora, prestadoras de serviços de ativos virtuais terão que ser autorizadas pelo Banco Central, operar com governança sólida, separar o patrimônio próprio do dos clientes, adotar controles internos eficientes e reportar informações de forma estruturada. Isso não é um freio à inovação, muito pelo contrário. A inovação séria precisa de ambiente estável, regras compreensíveis e limites transparentes.
Do ponto de vista penal, o impacto é profundo. A ausência de regulamentação empurrava casos complexos para tipos penais genéricos — como estelionato, organização criminosa ou lavagem de dinheiro — criados para uma realidade que não dialogava com criptoativos. Agora, com padrões de conduta mais claros, a análise jurídica ganha precisão, e a responsabilização deixa de depender apenas da interpretação posterior do Estado. É um avanço civilizatório ao passo que o mercado deixa de ser um faroeste tecnológico e passa a operar em ambiente minimamente cartografado.
Isso não significa criminalizar o setor, mas proteger os players sérios, blindar o investidor e reduzir a probabilidade de que empresas ou gestores bem-intencionados sejam surpreendidos por acusações por falta de clareza normativa. A padronização de procedimentos, o envio de informações ao Coaf, a identificação de usuários e os limites para transações internacionais criam trilhos. E trilhos evitam descarrilamentos, inclusive jurídicos.
A criptoeconomia continuará oferecendo desafios. A autocustódia, por exemplo, segue sendo um ponto sensível no mundo inteiro. Mas agora existe um fio condutor a partir do momento em que exchanges precisarão identificar carteiras, documentar processos e justificar movimentações. A imposição de regras não encerra debates, mas cria pontos de partida. E, em matéria penal, ponto de partida é tudo.
Para quem atua no setor, sejam desenvolvedores, executivos, consultores ou gestores de risco, a mensagem que fica é de um ambiente mais seguro e mais técnico. E navegar nesse novo mapa exige atenção, compliance e principalmente orientação jurídica qualificada. A responsabilização continua possível, mas agora há parâmetros mais estáveis para preveni-la.
A esse novo ambiente soma-se agora a atualização promovida pela Receita Federal. A IN 2.29 adota o padrão internacional do CARF (Crypto-Asset Reporting Framework), reforça procedimentos de diligência para evitar lavagem de dinheiro e determina que as operações sejam informadas por meio da nova Declaração de Criptoativos (DeCripto) a partir de julho de 2026. A medida amplia a cooperação internacional e fortalece o combate à evasão e às movimentações ilícitas envolvendo criptoativos.
Nada muda para as exchanges brasileiras, que já eram obrigadas a reportar mensalmente, mas a regulação passa a alcançar com mais força prestadores de serviços sediados no exterior e usuários que operam fora do ambiente das exchanges nacionais.
Celebramos a regulação porque ela traz luz para um mercado que sempre foi inovador, mas que precisava de um marco de segurança. Não é sobre punir, é sobre proteger quem empreende, quem investe, quem cria e quem quer fazer parte da nova economia sem correr riscos desnecessários.
O Brasil não está apenas entrando na era das criptomoedas reguladas. Está entrando na era da responsabilidade com previsibilidade, e isso, para todos os envolvidos, é uma excelente notícia.
*Por André Coura, graduado e mestre em direito pela Universidade FUMEC, com intensa atuação no consultivo e contencioso estratégicos para pessoas e negócios, em projetos de compliance criminal e investigações e processos criminais de alta complexidade, em colaboração com Antônio Silvério Neto, advogado atuante na área criminal, com foco no consultivo e contencioso criminal, em casos de grande complexidade, principalmente em operações dos órgãos policiais.