TRABALHO

Presencial, remoto ou híbrido?

A verdade sobre produtividade em times de desenvolvimento de software.

25 de novembro de 2025 - 18:20
Diego Nogare. Foto: divulgação.

Diego Nogare. Foto: divulgação.

Antes de 2020, o trabalho remoto era pouco adotado no Brasil por uma cultura que valorizava a presença física como sinônimo de produtividade. Mesmo assim, o setor de tecnologia já funcionava de forma majoritariamente digital, com códigos versionados, ambientes em nuvem e processos distribuídos. Ou seja, a base para o trabalho remoto já estava pronta — o que faltava era apenas vencer barreiras culturais. 

Quando o remoto se tornou inevitável, a tecnologia apenas acelerou um modelo que já fazia sentido para sua rotina. A produtividade se manteve, e muitas vezes cresceu, inclusive em setores tradicionalmente rígidos. Isso comprovou que o trabalho à distância não foi improviso, mas a continuidade natural de práticas já maduras. 

Dados do Instituto para Produtividade Corporativa, em conjunto com a Akamai Technologies, indicam que 83% das organizações que adotam políticas favoráveis ao trabalho remoto observam um nível elevado de produtividade entre seus colaboradores. Dentro desse percentual, 21% afirmam registrar produtividade ‘muito alta’, enquanto 62% classificam o desempenho como ‘alto’. 

Os profissionais perceberam os benefícios de evitar os longos deslocamentos do dia a dia. Em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, isso significa recuperar de duas a quatro horas por dia. Esse “tempo extra” acabou se convertendo em mais qualidade de vida, mais momentos com a família, mais cuidado com a saúde, mais tempo para estudar ou simplesmente descansar. Para muita gente, a saúde mental melhorou. 

Com isso, muitos profissionais agora livres do escritório físico e das limitações geográficas, decidiram se mudar. Cidades do interior ou do litoral, com melhor qualidade de vida e custo menor, se tornaram opções atraentes. Empresas que insistem na presença total vão continuar enfrentando dificuldades para atrair talentos, tanto no mercado nacional quanto no internacional. 

Viver em um lugar mais tranquilo e ainda ganhar em dólar ou euro já não é algo tão distante. Sem falar nos profissionais que adotaram de vez o estilo de vida nômade digital. 

O argumento da produtividade: dados vs. percepção 

Um dos maiores mitos derrubados pela pandemia foi o da queda de produtividade. A ideia de que “funcionário em casa não trabalha” perdeu força rapidamente. Setores tradicionais, como o financeiro, são prova disso. Bancos e instituições financeiras registraram faturamentos recordes nos últimos anos, mesmo com a maior parte das equipes administrativas e de tecnologia trabalhando de casa. 

Esses resultados colocam em dúvida a necessidade do escritório físico. Se as metas continuaram sendo atingidas, será que a presença no escritório era mesmo essencial? A conversa deixou de ser sobre “supervisão” e passou a ser sobre “entrega de resultados”. 

No setor de tecnologia, essa adaptação foi ainda mais natural. O trabalho de desenvolvimento, infraestrutura e operações já acontece de forma digital. Os códigos ficam em repositórios remotos e a computação em nuvem tornou tudo ainda mais simples. Plataformas como AWS, Azure e GCP oferecem ambientes seguros de desenvolvimento e produção, acessíveis de qualquer lugar do mundo. 

Mesmo áreas mais críticas, como segurança da informação e governança de dados, evoluíram rapidamente. As soluções modernas de acesso remoto seguro, autenticação e controles de identidade tornaram o trabalho não apenas viável, mas tão seguro quanto — e muitas vezes mais seguro do que — as antigas infraestruturas baseadas apenas em redes internas corporativas. 

E aqui vale reforçar um ponto: a discussão sobre ferramentas e governança já não serve mais como desculpa. A viabilidade técnica está mais do que comprovada. Tanto que as lideranças de TI nem cogitam usar esse argumento, porque já está claro que o modelo é seguro. A resistência que ainda existe ao trabalho remoto parece ser muito mais cultural e relacionada à gestão do que a questões operacionais. 

O valor imaterial do presencial 

Apesar das vantagens do trabalho remoto, seria ingênuo ignorar o que se perde ao deixar o presencial de lado. O escritório ainda tem seu valor, especialmente para colaboração e desenvolvimento humano. A interação direta entre as pessoas traz nuances que as ferramentas online ainda não conseguem reproduzir. 

Reuniões de planejamento estratégico, sessões de design thinking, brainstorming e até cerimônias como planning e retro costumam fluir melhor presencialmente. A leitura da linguagem corporal, a energia da sala e a troca espontânea de ideias ficam mais fáceis. As ferramentas digitais ajudam, mas ainda não substituem totalmente o contato direto. 

Outro ponto importante é o desenvolvimento de quem está começando a carreira. No escritório, muito aprendizado acontece de forma natural, quase por “osmose”. Profissionais iniciantes veem como pessoas experientes resolvem problemas, negociam requisitos, discutem soluções. Muitas vezes, uma conversa no café resolve um bug complexo. No home office, esse aprendizado social diminui bastante. A mentoria fica menos espontânea e exige mais esforço dos dois lados para acontecer. E aquela pergunta rápida ao colega da mesa ao lado simplesmente deixa de existir. 

E o futuro do trabalho? 

Recentemente, vimos o caso das mil demissões no Itaú, onde circulou a informação de que essas pessoas estariam “inoperantes” no trabalho remoto. Pouco depois, mais de dez funcionários do Nubank foram desligados após o banco anunciar um retorno gradual ao escritório. No caso do Nubank, tudo indica que o motivo teve mais a ver com insubordinação ao anúncio do retorno do que com o trabalho remoto em si. 

Já no Itaú, apesar de terem divulgado que o problema era a “falta de cliques”, ninguém sabe ao certo o que realmente aconteceu. Como o departamento de comunicação não publicou uma nota oficial — e provavelmente não publicará — tudo continua no campo da especulação. 

A verdade é que a discussão sobre presencial vs. remoto está mal direcionada. Ficar debatendo se o escritório deve estar sempre cheio ou sempre vazio desvia o foco do que realmente importa. A métrica de sucesso hoje não deveria ser o lugar onde a pessoa trabalha, mas sim o resultado que ela entrega. 

O caminho mais sensato parece ser o equilíbrio. Modelos híbridos flexíveis, com encontros presenciais planejados para momentos estratégicos — como alinhamento de cultura e decisões importantes — e a liberdade do remoto para atividades que exigem foco e trazem mais qualidade de vida, tendem a ser a solução mais madura. 

A importância dessa tendência vai além da parte prática, ela ajuda a definir o futuro do trabalho. Empresas que insistem no retorno obrigatório ao presencial, com ou sem justificativa clara, acabam enfrentando um turnover alto. O talento em tecnologia é global — e, acima de tudo, móvel. 

Isso afeta diretamente a competitividade. Uma empresa que limita suas contratações a um raio geográfico perto do eixo Rio–São Paulo sai perdendo para outra que busca o melhor profissional, esteja ele em Goiânia, Natal ou qualquer outra cidade. 

Lembro que, em meados dos anos 2010, assumi uma posição de Diretor de Operações em uma consultoria global para estruturar a empresa no Brasil. Passei quase dois anos trabalhando em São Paulo, enquanto o time estava espalhado pelo país. Tudo era resolvido por e-mail, Skype e muita conversa — e funcionava muito bem. Cada um trabalhava de casa ou no escritório do cliente quando necessário. Tínhamos um escritório na Avenida Paulista, mas quase nunca precisávamos dele. 

Já naquela época, o trabalho remoto acontecia de forma natural. Para os profissionais de TI, esse movimento representa autonomia. Eles ganham poder de escolha sobre onde e como querem viver. Isso muda a relação entre empregado e empregador: o foco passa a ser confiança e entrega de resultados, não “horas sentado na frente do teclado”.

*Por Diego Nogare, profissional com mais de 20 anos de experiência na área de Dados, com foco em Inteligência Artificial e Machine Learning desde 2013. É mestre e doutorando em Inteligência Artificial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ao longo da carreira, passou por grandes empresas como Microsoft, Deloitte, Bayer e Itaú. Neste último, liderou a estratégia de migração da plataforma de IA para a nuvem, entregando uma solução completa de desenvolvimento em IA para todo o banco.