Reges Bronzatti, advogado especialista em tecnologia. Foto: divulgação.
O que antes era fofoca de esquina virou um modelo de negócio global. Notícia falsa hoje não nasce mais na mesa de um boteco, nasce em máquinas de conteúdo, alimentadas por algoritmos famintos por cliques, comentários e caos. E onde há atenção, há faturamento.
A verdade, coitada, nunca foi tão pouco competitiva.
Por que tantas pessoas criam fake news?
Porque virou rentável. Porque dá alcance. Porque alimenta a economia mais valiosa do século: a economia da atenção. Fake news não exige rigor, checagem, ética ou tempo. Exige imaginação e velocidade, duas coisas que a IA potencializou de forma exponencial.
O criador de mentira descobriu uma fórmula simples:
Quanto mais absurdo, mais engaja. Quanto mais engaja, mais o algoritmo distribui. Quanto mais distribui, mais dinheiro entra.
E pronto. A mentira virou produto. O público virou matéria-prima. As plataformas viraram fábricas.
Como a mentira vira dinheiro? O mecanismo é brutalmente simples
1. Redes sociais monetizam o tráfego, não a veracidade.
O Facebook paga por alcance. O TikTok paga por retenção. O Instagram paga por impacto. Nenhum deles paga por verdade. O algoritmo não pergunta “isso é real?”. Ele pergunta “isso mantém a pessoa aqui dentro?” Se sim, ele promove. E quanto mais gente fica ali, mais anúncios aparecem. E quem ganha com mais anúncios? As próprias plataformas.
Fake news é gasolina pura para essa máquina.
2. Fake news é barata de produzir e cara de combater
Enquanto alguns veículos sérios gastam tempo e dinheiro apurando fatos, o criador de fake news gera um conteúdo em 30 segundos. Com IA generativa, então, virou um parque de diversões:
- imagens falsas,
- vídeos deepfake,
- áudios clonados,
- manchetes sensacionalistas,
- supostos “prints vazados”,
- perfis automatizados replicando conteúdo.
É o marketing do caos , com ROI infinito. Basta chamar a atenção do humano.
3. Golpes financiam (muito) essa economia oculta
Aqui está a parte que poucos têm coragem de dizer: Golpes são altamente lucrativos para as plataformas. Não diretamente, mas pelo efeito colateral:
golpes geram tráfego → tráfego gera anúncios → anúncios geram faturamento.
A engrenagem é essa:
- Criam uma “notícia impactante” (geralmente falsa).
- Essa notícia recebe milhares de comentários indignados.
- Quanto mais indignação, mais viral.
- Quanto mais viral, mais anúncios são exibidos.
E basta 1 a cada 300 clicar num golpe para financiar todo o ciclo. A mentira é a isca. A monetização, a vara de pescas e, nós, os peixes.
4. O submundo dos “criadores profissionais de fake news”
Existe um ecossistema inteiro , lucrativo, organizado e invisível. Pessoas que:
- vivem de páginas de clickbait,
- vendem anúncios clandestinos,
- se afiliam a links duvidosos,
- usam bots para inflar alcance,
- compram tráfego barato e vendem caro.
São microempreendedores do engano. Gente que descobriu que “inventar” dá mais retorno financeiro que “informar”. E o pior: muitos ganham mais do que profissionais sérios.
O paradoxo ético que ninguém quer enfrentar
Se mentir dá dinheiro, e dizer a verdade dá trabalho, como manter a integridade num ambiente construído sobre incentivos perversos? A pergunta dói. E deveria doer.
Porque temos um sistema onde o certo não compensa, e onde a mentira escala mais rápido do que o ser humano consegue desmentir.
A verdade está perdendo
Pode parecer sombrio, mas existe saída para esta crise de ética: educação digital, alfabetização crítica e regulação inteligente. Não é sobre censura. É sobre responsabilidade. Não é sobre calar opiniões. É sobre impedir que mentiras sejam tratadas como produtos comerciais.
As redes sociais precisam ser cobradas. Os usuários precisam ser treinados. E quem trabalha com tecnologia precisa entender o tamanho do problema que ajudou a criar.
A mentira virou negócio porque deixamos que virasse. Porque construímos plataformas que premiam quem engana mais rápido. Porque confundimos atenção com valor, e engajamento com reputação. Mas toda mentira tem prazo de validade e um dia a conta chega.
A pergunta é: Quem vai pagar essa conta? O criador da mentira… ou a sociedade inteira?
Bons Negócios a Todos! O tempo de mudar está passando...
*Por Reges Bronzatti, advogado especialista em tecnologia.