Fernando Karl (Foto: Divulgação)
Seja bem-vindo ao Brasil. Você veio a negócios, turismo ou para ficar e, rapidamente, descobrirá que este é um país de uma energia contagiante, povo caloroso e... uma criatividade sem limites. Para aproveitar o melhor daqui, no entanto, é preciso entender que a "malandragem" digital é uma realidade diária e eu vou te explicar. Este não é um guia turístico. É o seu guia de sobrevivência para a jornada digital brasileira, passo a passo.
1. A chegada: o golpe do transporte no aeroporto
Você desembarcou, cansado, e só quer chegar ao hotel. No saguão, um "motorista" simpático se aproxima, oferecendo uma corrida fixa por R$ 150. Parece conveniente, mas o táxi oficial custaria R$ 80. Se você aceitar, será levado a um carro sem identificação. No caminho, o taxímetro costuma quebrar, ou surge um trânsito inesperado e a conta mágicamente vira R$ 300. Pior: há relatos de motoristas que clonam cartões de crédito durante o pagamento.
2. O primeiro chip: bem-vindo ao telemarketing fantasma
Parabéns, você agora tem um número local e está oficialmente no jogo. Prepare-se: seu telefone vai tocar. A maioria dos brasileiros já desistiu de atender chamadas de números desconhecidos. A chance é altíssima de ser um “alerta" fraudulento dizendo algo como: "você está realizando uma compra no Mercado Livre. Confirme seus dados". Ou o clássico: "Seu CPF foi usado em uma compra. Confirme seus dados para bloquear". A insistência é tanta que os brasileiros passaram a considerar chamadas de voz no WhatsApp como o caminho natural.
3. O WhatsApp: sua Nova identidade (e a dos golpistas)
O Brasil funciona via WhatsApp, seja por voz ou texto. Os fraudadores também sabem disso. O golpe mais comum nem precisa invadir sua conta. O criminoso simplesmente cria um novo número, pega sua foto e nome (do LinkedIn ou de grupos públicos) e se infiltra em grupos que você frequenta. Pronto. Ele já é você para seus novos contatos e colegas de trabalho.
As abordagens exploram a confiança, dizendo que alterou o chip e precisa de ajuda com um PIX para algum fornecedor ou que está com algum problema na conta. A evolução do golpe já inclui áudios com voz clonada por IA. Três segundos de um vídeo seu no TikTok é tudo o que precisam para treinar o modelo.
4. A decisão de empreender: boletos do CNPJ
Você se apaixonou pelo país e decidiu abrir uma empresa. No dia seguinte à abertura do seu CNPJ, sua caixa de e-mails vai explodir. E o governo não será o primeiro a te cobrar. Um levantamento da Junta Comercial de São Paulo mostrou que 68% das novas empresas recebem pelo menos um boleto falso na primeira semana. Então prepare-se para uma chuva deles, como:
● Domínio falso: boleto de R$ 397 para "registro de domínio .COM.BR" (o oficial custa R$ 40).
● Sindicato fantasma: cobrança de R$ 180 de contribuição sindical obrigatória.
● Certificado pirata: oferta de MEI digital por R$ 250 (o oficial é gratuito).
● ECAD falso: boletos que imitam a cobrança oficial de direitos autorais.
5. A primeira venda: o paraíso dos marketplaces
Hora de vender aquele celular antigo para comprar um novo. Você anuncia na OLX ou no Mercado Livre. Em minutos, o comprador ideal aparece. Ele demonstra interesse imediato, envia um comprovante falso de PIX (editado em minutos) e pressiona pelo envio. Se você enviar o produto, ele desaparece. No Mercado Livre, a tática é outra: eles obtêm seu telefone, enviam e-mails falsos de confirmação de compra e pedem o envio imediato, fora da proteção da plataforma.
6. Vida social: do banco aos aplicativos de namoro
Sua integração continua. Você abre uma conta em um banco digital e decide tentar os aplicativos de namoro. As fraudes aqui são mais sofisticadas. Nos bancos, cuidado com e-mails falsos do "suporte Nubank" pedindo uma selfie com seu documento ou links de atualização cadastral do Banco do Brasil. Nos apps de namoro, o golpe romântico evoluiu. Não é mais apenas o amor da sua vida pedindo dinheiro. Os cenários são mais elaborados:
● A pessoa tem um problema de saúde repentino, precisa de dinheiro para um remédio.
● O empresário que está chegando ao Brasil na próxima semana precisa de R$ 1.500 para liberar a bagagem na alfândega.
● A herdeira que vai transferir uma fortuna, mas precisa de R$ 3.000 para taxas bancárias urgentes.
São muitas táticas. A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) estima que os golpes sentimentais movimentaram R$ 140 milhões apenas em 2023.
Antivírus mental é o escudo para sobreviver e prosperar
Não se assuste. Milhões de brasileiros e estrangeiros vivem (e amam) o Brasil navegando por essas águas. Apenas é necessário um "antivírus mental” correto. Use apenas os pontos de táxi oficiais e credenciados dentro do aeroporto, ou chame seu aplicativo de transporte (Uber, 99) de um local seguro e designado. Nunca clique em links recebidos por SMS ou WhatsApp, mesmo que pareçam ser do seu banco. Ative a confirmação da senha em duas etapas para tudo (banco, e-mail, redes sociais). É a sua melhor barreira.
Além disso, no WhatsApp, mude as opções "Visto por último e online", "Foto do perfil" e "Grupos" de "Todos" para "Meus Contatos". Isso torna você invisível para golpistas que não estão na sua agenda. Claro, faça PIX com ceticismo. Antes de transferir dinheiro para um amigo ou colega que teoricamente mudou de número, ligue para o número antigo dele e confirme. Sempre verifique o código de barras em boletos cobrados. Os três primeiros dígitos identificam o banco recebedor real. Na dúvida, não pague. Por último, desconfie da urgência: o senso de desespero (pague em 24h, envie agora) é a principal ferramenta do golpista. Respire fundo e verifique.
Com essas dicas e o antivírus mental em pleno funcionamento, a sobrevivência passa a ser mais garantida. O Brasil não é a nação das fraudes por acaso. É um país onde a criatividade do golpista encontra a paciência do povo. Enquanto isso, a melhor defesa é o bom senso. No mais, bem-vindo. Aproveite a jornada.
*Por Fernando Karl, Diretor de Operações de Segurança da Service IT.