Pedro Signorelli (Foto: Divulgação)
Um padrão se repete em muitas empresas que buscam implementar os OKRs: a estratégia é clara no topo da liderança, mas se dilui à medida que desce pela organização. É comum ver times com metas bem-intencionadas, porém desconectadas dos objetivos corporativos. Esse descompasso, que parece apenas operacional, na verdade representa o maior desafio técnico e cultural do uso da ferramenta: o desdobramento e o alinhamento.
Mais do que definir bons objetivos, o desafio real está em garantir que toda a organização caminhe na mesma direção, conectando o topo à base e as áreas entre si. É aqui que o aspecto técnico da metodologia mostra sua força e também onde surgem os maiores erros de implementação.
O desdobramento vertical: da estratégia à execução
O chamado desdobramento vertical de OKRs é o mecanismo que transforma a visão estratégica em ações concretas. Ele acontece quando os OKRs corporativos, definidos pela alta liderança, são traduzidos em OKRs táticos de áreas, times ou projetos.
Na prática, isso significa conectar níveis de ambição. O KR (resultado-chave) de um nível deve inspirar o O (objetivo) do nível seguinte e não virar uma simples tarefa. Por exemplo: se alguém definisse o objetivo estratégico de “Aumentar a satisfação do cliente”, um KR de sucesso poderia ser “Elevar o NPS de 65 para 80”. O próximo nível, como o time de atendimento, pode ter como objetivo “Melhorar a experiência em todos os pontos de contato”, com KRs específicos sobre tempo de resposta, resolução na primeira interação e qualidade de feedback.
Esse modelo é chamado por alguns como “OKRs de Suporte”, um formato que garante que o desdobramento aconteça com coerência, sem transformar a metodologia em uma cascata de ordens. Em um bom processo, o top-down (da liderança para os times) e o bottom-up (dos times para a liderança) coexistem. Enquanto a liderança define o norte, as equipes trazem a realidade, o contexto e as oportunidades de melhoria e inovação.
O desdobramento vertical bem feito cria uma linha de impacto: todos sabem como o seu trabalho contribui para os resultados corporativos. Quando isso falta, os times se desconectam da estratégia e a organização perde o foco.
O alinhamento horizontal: a engrenagem que evita o caos entre áreas
Outro ponto técnico, e muitas vezes esquecido, é o alinhamento horizontal dos OKRs, também chamado de cross-functional alignment. Em um mundo de projetos interdependentes, não faz sentido que Marketing, Produto e Vendas tenham metas isoladas.
O verdadeiro poder dos OKRs está em criar pontes entre as áreas. Quando os objetivos são transparentes e compartilhados, fica mais fácil identificar interdependências, conflitos e sinergias. Um exemplo prático: se o time de Produto tem como meta “Lançar uma nova funcionalidade que aumente o engajamento” e o de Marketing busca “Elevar a taxa de retenção de clientes”, ambos podem trabalhar juntos sob um mesmo guarda-chuva estratégico: o de melhorar a experiência do usuário, neste aspecto de engajamento dos clientes em relação ao produto, reduzindo churn.
O alinhamento horizontal é o que garante que o sucesso de uma equipe não dependa do fracasso da outra. Isso evita o clássico cenário em que Vendas pressiona por metas agressivas enquanto Produto ainda está finalizando melhorias ou o Suporte lida com bugs não resolvidos.
A solução técnica está na visibilidade compartilhada dos OKRs e na realização de rituais de sincronização entre áreas, como check-ins conjuntos e reuniões de alinhamento de dependências. É isso que mantém a estratégia viva e adaptável.
Cadência e sincronização: o pulso do sistema
Outro ponto crítico é a cadência de ciclos de OKR. Muitas empresas tentam aplicar o mesmo ritmo para todos os níveis, mas a prática mostra que é mais eficiente separar as camadas. O que segue não está escrito em pedra, já que tem que ser levada em consideração uma margem de adaptação ao contexto:
OKRs estratégicos: trimestrais, definidos pelo C-Level;
OKRs táticos: mensais, com os executivos de áreas e departamentos e quinzenais, ou até semanais, dentro dos times responsáveis por cada um dos OKRs;
Essa estrutura cria um sistema orgânico de alinhamento. Os ciclos curtos permitem ajustar o rumo, enquanto o plano estratégico mantém o norte estável. O segredo está na sincronização entre essas cadências, quando as revisões das áreas alimentam a reavaliação anual da estratégia, e não o contrário.
O erro mais comum é tratar o OKR como um ritual burocrático, e não como um sistema de aprendizado. O check-in semanal, por exemplo, deve ser menos sobre cobrar status e mais sobre entender por que o progresso está ou não acontecendo. Essa mudança de mentalidade é o que transforma a metodologia em um instrumento de evolução contínua.
Ferramentas e visualização: quando a técnica apoia a cultura
Embora o OKR seja, acima de tudo, um modelo de gestão, as ferramentas certas podem ampliar sua eficácia. Plataformas especializadas permitem mapear as conexões entre OKRs estratégicos e táticos, visualizando dependências e relações de suporte.
Os chamados Mapas de OKR ajudam líderes e equipes a entender como cada meta se conecta à estratégia maior, e os links de dependência entre times mostram onde ajustes precisam acontecer. Porém, vale lembrar: ferramenta nenhuma substitui a clareza do pensamento estratégico e as conversas de alinhamento. Ela apenas reflete o que a liderança já definiu com consistência.
Desdobrar e alinhar OKRs não é apenas uma questão técnica, é um exercício de cultura organizacional. Exige diálogo, escuta e uma mentalidade de colaboração genuína entre líderes e equipes.
O desdobramento vertical garante coerência entre propósito e execução. O alinhamento horizontal assegura que as áreas caminhem lado a lado. E a cadência sincronizada mantém o sistema pulsando, ajustando-se à medida que o mercado muda.
Quando esses elementos funcionam juntos, o resultado é uma organização verdadeiramente orientada a impacto. Afinal, OKRs não são sobre medir tudo, mas sobre medir o que realmente move a estratégia adiante. Não é tudo que você faz, mas com certeza tem o que você precisa fazer.
E, no fim, talvez o maior sinal de maturidade de um time não seja ter OKRs perfeitos, mas saber ajustá-los com inteligência e propósito a cada ciclo.
E não, não é só substituir OKR por BSC que dá na mesma. Em certa medida, se baseiam em princípios diferentes, por mais que as pessoas conversem sobre suas tabelas, elas continuam sendo suas próprias tabelas.
*Por Pedro Signorelli é um dos maiores especialistas do Brasil em gestão, com ênfase em OKRs. Já movimentou com seus projetos mais de R$ 2 bi e é responsável, dentre outros, pelo case da Nextel, maior e mais rápida implementação da ferramenta nas Américas.