Marcelo Morem (Foto: Divulgação)
Você certamente conhece a expressão popular “a grama do vizinho é mais verde”, que se refere à tendência do ser humano em ficar se comparando com os outros.
No mundo B2B, isso acontece frequentemente com empresários de todos os portes, que não resistem à ilusão de que o melhor nicho é sempre o próximo.
Eles apostam alguns meses em um mercado, não veem o resultado imediato que esperavam e rapidamente migram para outro, acreditando que a próxima tentativa finalmente vai abrir todas as portas.
Na prática, o que acontece é que se tornam eternos generalistas. Sem profundidade, sem autoridade e sem consistência. O pipeline oscila, o posicionamento nunca se consolida e a empresa segue em um ciclo de expectativa e frustração.
Mas o que está por trás disso? Medo. Medo de perder oportunidades em outros segmentos. Medo de gastar tempo em um nicho e descobrir que não era tão promissor. Medo de olhar para trás e pensar: “e se eu tivesse investido em outro mercado?”.
Essa ansiedade leva a uma troca precoce de rota. E trocar de rota cedo demais é desperdiçar todo o esforço inicial, porque nenhum nicho amadurece em três ou quatro meses. O tempo de consolidação é maior e é justamente isso que separa os que vencem dos que ficam à margem.
Um consultor de investimentos uma vez me ensinou que isso se compara ao sujeito que está numa estrada com várias pistas e fica trocando de pista o tempo todo, na esperança de que a pista do lado será mais rápida.
Ao final do trajeto, provavelmente esse motorista não teve nenhum ganho de tempo, mas certamente gastou mais combustível e desgastou mais o seu carro do que aquele que permaneceu em uma pista durante mais tempo.
O ganho da paciência
Se a pressa rouba a consistência, a paciência gera vitórias em cascata. Quando uma empresa decide sustentar sua presença em um nicho até ser reconhecida, os resultados aparecem:
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Visibilidade como especialista: o mercado passa a associar a sua marca a uma capacidade de solução específica.
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Acesso a clientes melhores: quem busca especialistas enxerga mais valor, logo está disposto a pagar mais.
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Aumento do LTV: relacionamentos duradouros se tornam a regra, pois seus clientes não querem trocar a expertise por fornecedores genéricos.
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Redução da evasão: clientes fidelizados não saem na primeira dificuldade, pois sabem que o especialista gera valor.
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Conhecimento de causa: quem se dedica a um nicho, aprende o comportamento do respectivo cliente de uma forma que o generalista nunca vai conseguir.
Não é teoria, é prática
O caso da Iungo, empresa de telefonia em nuvem liderada por Cristiano Ikari, é emblemático. Tive a oportunidade de entrevistá-lo no episódio 3 do Dia de Vendas B2B, e naquela ocasião ele contou como a decisão de focar no nicho contábil transformou sua trajetória empresarial.
Durante a pandemia, a Iungo entrou no chamado “modo sobrevivência”: vendia para qualquer tipo de cliente, de qualquer porte, em qualquer setor. Cresceu rápido, mas carregou junto a pior herança possível para negócios de receita recorrente: churn elevado e instabilidade de faturamento.
Em 2023, veio a virada. Cristiano analisou sua base de clientes e percebeu que os escritórios de contabilidade eram os mais estáveis, menos problemáticos e mais lucrativos. Decidiu então apostar nesse nicho.
No primeiro ano, apenas 5% das vendas vinham do segmento contábil. Em 2024, esse número saltou para 57%. Em 2025, a empresa já atende mais de 600 clientes contábeis, com expansão contínua e altas taxas de indicação dentro do próprio setor.
Quando perguntei a Cristiano se ele pensa em explorar outros segmentos, a resposta foi direta: sim, mas ainda não é a hora. Primeiro ele quer consolidar ainda mais sua posição no mercado contábil.
Essa paciência e perseverança são raras e valiosas.
A estratégia por trás do resultado
O sucesso da Iungo não foi sorte, foi resultado de uma estratégia muito bem pensada e aplicada.
Primeiro, Cristiano aplicou um princípio simples e poderoso: olhar para dentro. Em vez de buscar o “mercado da moda”, ele examinou sua própria base de clientes e identificou o perfil mais lucrativo.
Depois, contou com um aliado-chave, alguém com décadas de experiência no setor contábil, que abriu portas em associações, entidades de classe e empresas de referência. Esse tipo de parceiro acelera um processo que sozinho poderia levar anos.
Em paralelo, fortaleceu o branding: presença constante no LinkedIn, participação em eventos, proximidade com comunidades contábeis. Com frequência e consistência, a Iungo passou a ser reconhecida como “a voz do setor contábil”.
Por fim, ajustou sua oferta. Relatórios, linguagem e funcionalidades foram adaptados às dores do contador, tornando a solução mais relevante e personalizada.
O mais importante é que o foco em um nicho não limitou a empresa. Pelo contrário, abriu portas para mercados adjacentes: certificadoras, advocacia tributária e empresas de tecnologia que servem contadores. Nichar foi um trampolim, não uma prisão.
O caminho para quem ainda hesita
Se você realmente quer resultados consistentes, precisa de uma estratégia clara e gradativa de acesso a um nicho. Eu recomendo que isso seja feito em 3 ciclos:
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Primeiro ciclo — presença e conexão
Este é o momento de aterrissar no mercado. Participar de eventos, criar conexões, marcar conversas exploratórias, aparecer nas comunidades e nas redes sociais com mensagens direcionadas. O objetivo não é vender de imediato, mas se fazer presente. É aqui que se valida se existe abertura para sua empresa no nicho, se há receptividade e espaço para iniciar relações. -
Segundo ciclo — geração de leads e oportunidades
Com a presença já estabelecida, chega a hora de transformar conexões em potenciais negócios. Isso significa estruturar abordagens de prospecção, buscar indicações, fazer diagnósticos e propor pequenas entradas. O objetivo não é o contrato milionário, mas começar a criar um pipeline visível e mensurável. Aqui se mede se há tração real no segmento. -
Terceiro ciclo — venda recorrente
É neste ponto que se avalia a consistência do mercado. A empresa já deve ter clientes ativos, e o teste é ver se consegue gerar negócios de forma repetida, sem depender de sorte ou de uma única janela de compra. Quando há vendas recorrentes, fica claro que o nicho é viável no médio e longo prazo.
Esses ciclos não são etapas estanques, mas ondas que se sobrepõem. A cada novo ciclo, você amplia a presença, gera mais oportunidades e reforça a recorrência. Eu recomendo que cada ciclo rode em um período de 12 semanas, no mínimo. Assim, você pode analisar os resultados e decidir se vai manter, reduzir ou incrementar seus investimentos.
Em 36 semanas — menos de um semestre — já é possível saber com clareza se o mercado escolhido tem potencial para sustentar uma estratégia. Mesmo que novos ciclos de 12 semanas sejam necessários, pois tudo depende da complexidade e duração normal do seu ciclo de vendas.
O fundamental, é você entender que a estratégia de desembarque em um nicho de mercado deve ser incremental, com base em evidências de sucesso a cada ciclo. Sem desviar da rota e aprendendo com os resultados.
Portanto, deixo para você o desafio: você tem a resiliência e, especialmente, a paciência necessárias para fazer acontecer uma estratégia de nicho? Ou vai “trocar de pista” no primeiro sinal de dificuldade?
*Por Marcelo Morem, especialista em vendas complexas B2B e fundador e CEO da Mextres, escritório de estratégias comerciais para empresas de serviços.