Giovanna Gregori Pinto, fundadora da People Leap (Foto: Divulgação)
Ao longo da minha trajetória acompanhando startups de perto, primeiro como executiva em empresas de crescimento acelerado e hoje como fundadora de uma startup, aprendi que os movimentos mais importantes de um ecossistema quase nunca são imediatos, mas se constroem quando os números crescem ao mesmo tempo em que o discurso amadurece, exatamente como tenho observado em Campinas (SP) e em toda a Região Metropolitana.
Nos últimos cinco anos, o número de startups mapeadas em Campinas cresceu mais de 200%, saltando de 70 iniciativas em 2020 para 213 em 2025, segundo dados do Sebrae. Esse avanço colocou a cidade na segunda posição do ranking estadual, atrás apenas da capital paulista, e consolidou o município como um dos polos mais relevantes de inovação do país. Quando ampliamos o olhar para a RMC (Região Metropolitana de Campinas), o movimento se confirma, considerando que o ecossistema regional praticamente dobrou no mesmo período, espalhando startups por mais de uma dezena de cidades e formando um ambiente de negócios que não depende exclusivamente da capital.
Esse crescimento não é aleatório, mas resultado de fatores estruturais presentes no contexto brasileiro, que reúne universidades, centros de pesquisa consolidados, empresas de base tecnológica, políticas públicas e um mercado consumidor complexo, capazes de estimular o desenvolvimento de soluções capazes de gerar valor. Segundo o levantamento do Sebrae divulgado pela Prefeitura de Campinas, áreas como tecnologia da informação, educação e agronegócio concentram cerca de 30% das startups mapeadas no município, reforçando a vocação histórica da cidade para ciência e engenharia, agora traduzida em negócio, escala e impacto econômico.
Talvez o aspecto mais relevante deste momento não seja apenas o aumento no número de startups, mas a mudança de mentalidade que acompanha esse crescimento. O Brasil já ultrapassou a marca de 20 mil startups ativas, de acordo com levantamento do Observatório Sebrae Startups, divulgado em 2025, o que evidencia a expansão e a maior capilaridade do ecossistema nacional. Ao mesmo tempo, diferente de alguns anos atrás, percebe-se uma mudança no discurso predominante do ecossistema, que deixou de girar exclusivamente em torno do crescimento a qualquer custo. O capital voltou a circular, é verdade, mas com muito mais seletividade, e temas como governança, eficiência operacional, clareza de modelo de negócio e maturidade de gestão passaram a ocupar o centro das decisões, deixando de ser diferenciais para se tornarem requisitos básicos.
Em experiências anteriores liderando a expansão de times de tecnologia no iFood, quando a equipe cresceu de 150 para aproximadamente mil pessoas em quatro anos, ficou evidente que escalar não se resume a contratar em maior velocidade, mas exige estruturar processos, fortalecer a cultura organizacional e preparar a empresa para sustentar o crescimento ao longo do tempo. Na Ambev, ao conduzir ciclos de expansão e desenvolvimento de equipes, com avanços nos indicadores de engajamento e retenção, aprendi que organizações só atravessam momentos complexos quando operam com clareza de papéis, decisões bem distribuídas e uma liderança preparada. Hoje, em diálogos com founders, percebo que esse aprendizado tem se espalhado, refletindo um perfil de empreendedor mais técnico, mais disciplinado com recursos e cada vez mais consciente de que crescer sem estrutura gera custos maiores no médio e longo prazo.
Campinas vive um momento interessante porque reúne oportunidades e desafios típicos de um ecossistema em amadurecimento. De um lado, há um ambiente cada vez mais favorável à inovação, com iniciativas como o Sandbox Regulatório, que permite que startups testem soluções em condições reais, reduzindo barreiras regulatórias e encurtando o caminho entre a ideia e o mercado. De outro, ainda enfrentamos desafios estruturais conhecidos, como burocracia, insegurança jurídica, escassez de talentos qualificados e uma disputa salarial intensa, especialmente nas áreas de tecnologia e gestão.
A falta de profissionais preparados continua sendo uma das maiores limitações fora dos grandes hubs. Esse contexto impacta nos custos, limita o ritmo de crescimento e obriga as empresas a investirem mais cedo em capacitação, desenvolvimento e novas formas de organização do trabalho. Ao mesmo tempo, esse cenário abre uma oportunidade para quem consegue estruturar bem seus times, criar ambientes atraentes e adotar uma abordagem mais estratégica na gestão de pessoas.
Outro ponto que merece atenção é a desigualdade no acesso ao capital. Embora os investimentos estejam apresentando sinais de recuperação no país, o estágio inicial das empresas ainda enfrenta dificuldades, especialmente fora do eixo mais tradicional. Em regiões como a Região Metropolitana de Campinas, programas públicos, iniciativas do Sebrae, parcerias com universidades e estratégias de CVC (Corporate Venture Capital) seguem sendo fundamentais para sustentar a trajetória de novos empreendimentos. Isso exige fundadores mais preparados, capazes de transitar por diferentes fontes de financiamento e de construir narrativas de longo prazo.
O que vejo como uma perspectiva positiva é que Campinas parece ter superado a fase das ideias. Hoje, o ecossistema já dá sinais claros de maturidade, com empresas mais estruturadas, soluções mais conectadas aos desafios reais do mercado e lideranças cada vez mais conscientes do seu papel no desenvolvimento da região. O desafio agora não é mais provar que a região pode inovar, mas garantir que esse crescimento seja sustentável e capaz de gerar impacto econômico real. Startups que entendem essa dinâmica, assim como líderes que assumem esse papel de articulação, tendem a atravessar os próximos ciclos com mais solidez, preparo e visão de longo prazo. Depois do iFood, Campinas ainda tem espaço para mais unicórnios.
*Por Giovanna Gregori Pinto, fundadora da People Leap e referência em estruturar áreas de RH em startups de tecnologia em crescimento. No iFood, como Head de People - Tech, liderou a expansão do time de tecnologia de 150 para 1.000 pessoas em menos de quatro anos, acompanhando o salto de 10 para 50 milhões de pedidos mensais. Já na AB InBev, como Diretora Global de RH, triplicou o time antes do prazo, elevou o NPS de People em 670%, aumentou o engajamento em 21% e reduziu o turnover de tecnologia ao menor nível da história da companhia.