METAS

O Brasil não está pronto para alcançar 100 mil startups

País ainda precisa encarar o desafio da transformação cognitiva.

13 de novembro de 2025 - 12:03
Flávia Fària, head de inovação no The Garage (Foto: Divulgação)

Flávia Fària, head de inovação no The Garage (Foto: Divulgação)

O Brasil vive uma encruzilhada da inovação. Depois de digitalizar processos e conectar empresas à internet, o país entra agora em uma nova fase — a transformação cognitiva —, marcada pela incorporação da inteligência artificial (IA), da automação inteligente e do uso estratégico de dados como pilares do desenvolvimento econômico.

É uma revolução silenciosa e profunda: enquanto a transformação digital levou as empresas para o ambiente online, a cognitiva está ensinando organizações a pensar, aprender e tomar decisões com base em dados e algoritmos. Mas, para que esse salto aconteça de forma sustentável, é preciso reconhecer um fato incômodo: o Brasil ainda não está pronto para alcançar 100 mil startups.

A meta anunciada pela Abstartups, de chegar a esse número até 2035, reflete o otimismo de um país criativo, mas esbarra em desafios estruturais que permanecem há anos. Hoje, temos cerca de 17 mil startups ativas, concentradas majoritariamente no Sudeste, com taxas de mortalidade superiores a 80% nos primeiros cinco anos. O cenário revela um ecossistema fértil em ideias, mas ainda carente de funding, maturidade de execução, políticas públicas eficazes e cultura empreendedora voltada à experimentação.

Na era cognitiva, o desafio não é mais apenas lançar uma startup — é criar negócios inteligentes e adaptativos, que consigam traduzir dados em ação, automação em valor e aprendizado em crescimento. Startups que dominarem a IA e o uso estratégico de dados terão vantagem competitiva imediata: poderão prever comportamentos, personalizar soluções e acelerar ciclos de decisão. Mas, para isso, precisam nascer em um ambiente que favoreça integração, velocidade e colaboração.

Modelos como o do theGarage, startup studio criado pela Nexmuv, representam essa nova mentalidade ao construir startups em série — com ciclos de pesquisa, como exemplo a da DemandSage, plataforma de software em que 10% das startups alcançam sucesso sustentável. É a inteligência aplicada a processos que pode transformar a criação de empresas em uma engenharia de inovação contínua. Nesse formato, dados e IA são usados desde o diagnóstico de mercado até o desenvolvimento de MVPs, marketing e estratégias de crescimento, garantindo que cada novo negócio surja com bases tecnológicas e cognitivas mais sólidas.

A transformação cognitiva exige, portanto, uma mudança cultural tão profunda quanto tecnológica. O Brasil precisa evoluir de um ecossistema de startups para um ecossistema de aprendizado, em que empreendedores, corporações e universidades compartilhem conhecimento, dados e propósito.Isso implica rever políticas de incentivo, desburocratizar o acesso a funding e criar programas de capacitação voltados para a IA e para as soft skills do futuro — como pensamento sistêmico, criatividade aplicada e resiliência.

Mais do que “criar startups”, o país precisa aprender a criar mente resiliente: empresas capazes de se reinventar continuamente. E isso só acontecerá quando a cultura empreendedora abraçar o princípio da falha como parte do aprendizado, típico dos ambientes de inovação — onde cada erro é um dado, e cada dado é uma oportunidade de melhoria.

Se a transformação digital conectou o Brasil à internet, a transformação cognitiva deve conectá-lo ao futuro — um futuro em que o sucesso de uma startup não dependerá apenas de funding, mas da capacidade de pensar de forma inteligente, sistêmica e integrada.

Atingir 100 mil startups é uma ambição legítima.Mas o verdadeiro desafio será garantir que cada uma delas seja capaz de aprender, adaptar-se e evoluir com o tempo. Esse é o passo que separa a quantidade da qualidade — e que definirá o papel do Brasil na nova economia global da inteligência.

*Por Flávia Fària, head de inovação no The Garage.