
Marcelo Oliveira, diretor de estratégia da Verity (Foto: Divulgação)
A primeira onda da transformação digital nos deu o mundo na palma da mão, empacotado em aplicativos que criaram uma fachada de modernidade. A segunda, que já define vencedores e perdedores, é mais profunda: ela exige jornadas multicanais orquestradas por inteligência. O problema é que essa revolução não se sustenta em uma bela interface; ela demanda um core preparado para fluidez e escala. E aqui reside o paradoxo central: a chave para habilitar a futura geração de agentes de negócio está, precisamente, no uso de agentes de engenharia para decifrar o passado.
O Gartner chama essa nova classe de "agentes inteligentes" de entidades de software orientadas a objetivos, que planejam e executam tarefas complexas. É essa capacidade que, ao ser introduzida em ambientes corporativos, age como um teste de estresse, expondo as rachaduras de sistemas que não foram desenhados para esta era.
Um passivo oculto no balanço da inovação
O C-level precisa encarar uma verdade inconveniente: transformação real depende de tecnologia bem resolvida. A McKinsey aponta que quase 75% do valor capturado em programas de modernização vêm da tecnologia. No entanto, a dívida técnica, essa força invisível, consome cerca de 40% dos orçamentos de TI e representa até 40% do valor total do estate tecnológico. É uma âncora que prende as empresas ao passado.
O mercado já precificou esse desafio. O segmento de serviços de modernização de aplicações deve saltar de US$ 17,8 bilhões em 2023 para US$ 52,5 bilhões até 2030. O motivo? Legados que travam a escala, a segurança e o time-to-market que a era dos agentes exige.
Um ponto de virada: A IA de engenharia pode liberar a IA de negócio
Percebam: O gargalo da modernização raramente está em "escrever histórias e código novo". O que paralisa as organizações é a incapacidade de entender o que já existe: décadas de regras de negócio embutidas em código-fonte e dependências obscuras.
É aqui que o paradoxo se torna uma solução: A mesma tecnologia agêntica que o negócio anseia para o futuro é a ferramenta que, nas mãos de especialistas, desmonta o labirinto do presente. Na Saúde, por exemplo, onde a falha não é uma opção, recentemente concluímos um assessment profundo em um sistema crítico sem documentação, em apenas duas semanas – um trabalho que antes levaria meses. E o resultado: um mapa claro e completo para modernização.
Como isso foi possível? Através de agentes de engenharia que potencializam expertise humana:
• Conhecimento, não apenas código: A engenharia reversa assistida por IA transforma artefatos de software em descrições de negócio legíveis.• Inteligência contextual: Mecanismos de RAG (Retrieval-Augmented Generation), treinados no sistema-alvo, extraem entidades e regras com precisão cirúrgica.
• Decisões baseadas em evidências: A análise gera um score de risco, permitindo priorizar o que deve ser refatorado, migrado ou substituído com base em dados.
• Materialidade para a arquitetura: O processo entrega diagramas e trilhas de auditoria que servem de alicerce para decisões, eliminando “achismos”. Nossa experiência mostra que este padrão de resultados tem se repetido em outros projetos de setores de altíssima complexidade. E o denominador comum é sempre a abordagem: especialistas, governança e agentes de IA especializados (calibrados para cada desafio).
Corroborando com isso, a McKinsey relata que programas emergentes com agentes de IA já demonstram redução de 40–50% nos cronogramas de modernização e cortes de até 40% nos custos relacionados à dívida técnica. Outro estudo da consultoria detalha casos em que etapas manuais de dezenas de horas foram comprimidas para poucas horas, com impacto direto em custo e qualidade.
O que essas evidências consolidam é uma inversão fundamental no gargalo de engenharia. A capacidade de gerar artefatos sistêmicos — como mapas de dependências e catálogos de regras de negócio — em uma fração do tempo, muda o epicentro do problema. O desafio crítico passou a ser como industrializar a tomada de decisão, garantindo que a modernização seja tecnicamente íntegra e economicamente sequenciada.
Para estruturar essa nova disciplina de Engenharia, 5 Princípios são essenciais:
• Mapear o presente para qualificar o futuro. A jornada começa com um assessment profundo que une a expertise de especialistas ao poder da IA. O objetivo não é apenas criar um mapa técnico do "as is", mas confrontá-lo com a estratégia de negócio, qualificando riscos operacionais ocultos e identificando as oportunidades de valor que estão aprisionadas no código legado.
• Construir uma rota de valor, não um projeto "big bang". Com o mapa de riscos e oportunidades em mãos, o "to be" ideal é desenhado. A partir daí, constrói-se um plano de modernização sequenciado, que foge da armadilha do "tudo ou nada". A estratégia é fatiar o desafio em jornadas de trabalho que destravam valor incrementalmente, mitigam os riscos mais críticos primeiro e garantem que cada passo seja viável tanto técnica quanto financeiramente.
• Tratar a dívida técnica como um programa financeiro. Esse plano sequenciado precisa de um modelo econômico. O legado deve ser tratado com a disciplina de um balanço patrimonial, com metas claras de amortização da dívida técnica a cada entrega de valor. Apenas com um plano com ROI claro a modernização deixa de ser um projeto de custo de TI para se tornar um programa de valor para o negócio.
• Potencializar especialistas com IA, não os substituir. A eficiência dessa abordagem vem da sinergia homem-máquina. A experiência de arquitetos e engenheiros sêniores é potencializada por "fábricas de agentes" de IA que executam a análise em escala. A máquina gera os insights e os artefatos; os especialistas tomam as decisões estratégicas, garantindo a governança e a qualidade do redesenho arquitetural.
• Modernizar para redesenhar o negócio, não apenas para traduzir código. O objetivo final de cada etapa do plano não é puramente técnico. A tradução de código é uma consequência, não a meta. A verdadeira vitória é o redesenho de processos, a modularização de capacidades e a entrega do valor de negócio que foi mapeado como oportunidade no primeiro princípio.
Conclusão: A modernização como Plataforma
A segunda onda digital força uma escolha inevitável para a liderança: encarar a modernização como um custo defensivo a ser mitigado ou como o investimento ofensivo que constrói a plataforma para o futuro.
O caminho para essa transformação é um círculo virtuoso que o paradoxo nos revela: usar agentes de engenharia para transformar a opacidade do legado em evidência e, com ela, permitir que especialistas redesenhem o core de forma segura e inteligente. No final, não se trata de um projeto de migração de sistemas, mas de garantir a fundação sobre a qual a próxima década de crescimento do seu negócio será construída.
*Por Marcelo Oliveira, diretor de estratégia na Verity.